São Paulo, segunda-feira, 5 de junho de 1995
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Curtir reggae é unanimidade entre pessoas desentendidas

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre os muitos efeitos nefastos da publicidade, incluo a popularidade de reggae no Brasil. No primeiro anúncio daquela famosa série de esportes radicais que nos levariam ``ao sucesso", Peter Tosh cantava ``The Love I Need". Pronto: reggae ficou eternamente associado com surfe, sol, garotas de biquíni.
O que pouco fã de reggae deste país sabe é que só no Brasil o reggae é a trilha sonora oficial do surf. Fora daqui não tem a menor relação: som de surf é rock australiano e boa.
Pouco depois, Gilberto Gil cantou ``No woman no cry" e uns baianos decidiram que seu estado era parte da Jamaica (o que talvez seja mesmo: já disse alguém que de São Paulo para cima o Brasil é Caribe, de São Paulo para baixo é Mercosul).
Pule alguns anos e venha para São Paulo, onde um cara chamado Otávio Rodrigues começou uma noite jamaicana chamada AeroReggae. A noite paulistana (e pelo que sei a carioca também) ficou infestada de reggae, por uma ótima razão: as garotas, que não frequentavam muito show, frequentavam as noites de reggae. E onde mulher vai, homem vai atrás.
Aí a Folha faz uma pesquisa e os jovens de São Paulo elegem, por unanimidade, o reggae como seu ritmo preferido.
Se você é um deles pare de ler imediatamente ou prepare-se para ficar bem irritado.
Acho reggae uma bobagem. Não posso nem ver esses reggaemen falando de Jah e chorando as pitangas pela repressão do homem branco em cima deles.
Para começar, o negócio todo é filosoficamente equivocado. Criado para ser música de resistência contra ``o sistema", soa como uma choradeira de quem não tem proteína e nem calorias para resistir nem a uma brisa. Não foi à toa que todos os superstars do reggae assinaram rapidinho com as gravadoras da ``Babilônia". E não é à toa que reggae virou um pastichão que só serve para atrair turista para a Jamaica.
Mas pelo menos o reggae teve alguma serventia -encher cofres dos hotéis da Jamaica e bolsos dos traficantes locais. Porque, como filosofia, o reggae não servia para nada. Esse papo de rastafari é uma estupidez. Os caras pregavam que um ditador africano podre, o Hailé Selassié, era Deus na terra. Veja bem, não era filho ou o representante de Deus, era o próprio mesmo.
E as meninas que gostam de reggae talvez gostem de saber que o papel da mulher em ambientes rastafari está só um pouco acima do papel do cachorro.
Possivelmente as novas gerações da Jamaica concordem comigo, porque caras como Shabba Ranks não querem nem saber dessa papagaiada de rastafari. O negócio deles é fazer um som bem acessível, que é para americano comprar.
Em vez de combater o sistema, eles querem é grana e sossego. Carro bacana, mulher bonita e (possivelmente) uma automática no bolso. Como a maioria de nós, aliás.
Já tem até uma Madonna jamaicana, a Patra, uma negra bonita, gostosa e com os peitos enormes, que faz clips bem rebolativos e pelados.
Eu até que engolia mais todo o besteirol conceitual que cerca o reggae se o som não fosse tão chato. Para mim, atravessar um CD do Bob Marley equivale a enfiar arame farpado no canal auricular.
Por isso tudo é que eu fico extremamente surpreso de ouvir alguma coisa que pareça com reggae e gostar. Ano passado, por exemplo, ouvi Apache Indian e gostei. Gosto dessas bandas de reggae brasileiras, que não são só reggae, tipo Skank e Nomad. Claro, adoro ska, mas é por associação com a new wave.
E esse ano, até agora, gostei desse ``Hotstepper" do Ini Kamoze. Mas essa não é muito reggae, é mais rap. Ma isso não justifica, porque rap também é duro de aturar...
Enfim. Detesto reggae. Um amigo me diz que reggae foi inventado para ouvir na praia fumando maconha. Ah, bom isso explica a unanimidade do reggae entre os desentendidos.
O problema é que moro em São Paulo e fumo (advinha) o cigarro que lançou o reggae para o Brasil. Fazer o quê?

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