São Paulo, terça-feira, 6 de junho de 1995
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Petróleo sem fonte

JANIO DE FREITAS

Embaraço inesperado contra a primeira votação na Câmara, prevista para amanhã, do projeto que quebra o monopólio estatal do petróleo: não chegou à Câmara a resposta do Ministério das Minas e Energia ao requerimento de informações apresentado por um grupo de deputados, depois de constatar que o relatório do deputado Lima Netto usou de cifras e dados gerais que os parlamentares não encontram nem na documentação do próprio governo.
O requerimento chegou ao ministério em 11 de maio, só em 11 de junho extinguindo-se o prazo para a entrega das respostas à Câmara. A demora da resposta foi explicada pelo ministro Raimundo Brito como consequência da coleta de dados também na Petrobrás, que estava em greve.
Os signatários do requerimento vão hoje ao presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, para pedir o adiamento da votação até que cheguem os esclarecimentos, que nem o relator Lima Netto foi capaz de fornecer. Ao citar cifras que fundamentassem seu parecer favorável à quebra do monopólio, ele não as relacionou a qualquer fonte documental. Nem indicou qualquer uma depois.
Reflexão em greve
A regra brasileira está cumprida: encerradas as evidências imediatas de um fato, emite-se uma sentença e pronto. Não há o que refletir sobre ele, não há o que aprender, logo a memória guardará do fato apenas a sentença difundida pelos meios de comunicação: ``Greve acaba com derrota esmagadora". A palavra destoante nem apareceu no noticiário, apesar do seu autor. Além de destoante, o que já bastava para torná-la desprezível, ao destoar abria o risco intolerável de alguma reflexão.
A ponderação foi do próprio ministro das Minas e Energia, Raimundo Brito: ``Esta greve acabou sem vencidos e sem vencedores". Para chegar a esta consideração, supõe-se que o ministro tenha refletido. Mas os repórteres-gravadores, ou melhor, os gravadores-repórteres não se interessaram pela reflexão. Aliás, nem pela frase. É, no entanto, mais que qualquer outro comentário proveniente do governo e de jornalistas -o que dá mais ou menos no mesmo-, parecia uma observação surpreendentemente desapaixonada, de alguém que viveu por dentro o episódio tão exacerbado de parte a parte.
O presidente Fernando Henrique decidiu não cumprir o acordo patrocinado por seu antecessor e nisso foi vitorioso. Mas o uso do Exército, retomando hábitos que se supunha extintos e incompatíveis com os princípios de Fernando Henrique, serão menos esquecidos do que a greve. Além disso, o necessário recuo nas demissões em massa e a imediata abertura de negociações trabalhistas com os petroleiros não são próprias da vitória, muito menos esmagadora.
Os petroleiros, por sua vez, não obtiveram o reconhecimento do acordo e não alcançaram o efeito institucional pretendido, de manifestação de força contra a quebra do monopólio petrolífero. Mas algo da reivindicação deverá ser obtido nas negociações de agora, e isso será fruto da greve. E não se pode esquecer que o maior problema de uma greve não é a reivindicação em si: é a própria greve, um tipo de ação sempre muito difícil. Sob este aspecto, os petroleiros tiveram êxito quase absoluto, pela organização, pela unidade e pela duração. É muito duvidoso que o movimento sindical tenha perdido com esta greve.
Como episódio político, cabe interpretação oposta à mais difundida pelos meios de comunicação, segundo a qual a greve provou que o monopólio põe o país nas mãos dos petroleiros. Pode-se concluir que os trabalhadores, mesmo os de um monopólio, não têm força no Brasil nem para fazer cumprir um acordo com a participação de um presidente da República. Basta que se articulem o governo e parte do Judiciário para tirar toda a força de uma greve em setor essencial, de âmbito nacional e com a impressionante duração de 31 dias. O monopólio não fez ninguém de refém, tomando uma palavra do meu colega Gilberto Dimenstein. Reféns foram os petroleiros, circundados pela predeterminação política do governo e do Tribunal Superior do Trabalho.
A sentença ficará, mas o episódio poderia ensinar muita coisa para evitar sentenças fáceis.

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