São Paulo, terça-feira, 6 de junho de 1995
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Por que quebrar o monopólio das telecomunicações

BETO MANSUR

Estamos vivendo um período importantíssimo para a vida da nação, com discussões sobre mudanças que serão capazes de levar o Brasil ao caminho do progresso ou mantê-lo amarrado a condições impeditivas de modernizar-se tecnologicamente.
As propostas de emenda à Constituição encaminhadas ao Congresso pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso têm contribuído para o aprofundamento desses debates. No que se refere às telecomunicações, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno, e vota hoje em segundo turno, substitutivo do relator, deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que modifica a proposta original do Executivo de quebra do monopólio do setor, mas garante a flexibilização na exploração dos serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações.
Como coordenador da Frente Parlamentar pela Flexibilização do Monopólio das Telecomunicações -lançada formalmente no Congresso no dia 3 de maio com o apoio de cerca de 300 parlamentares de diferentes partidos- entendo, no entanto, que o substitutivo do relator poderá suscitar pendências jurídicas no futuro, dificultando a auto-aplicação das mudanças constitucionais propostas.
Isso nos levou a defender a apresentação de um Pedido para Votação em Separado (DVS) de parte do art. 21 que tornaria mais ``enxuto" o texto, retirando da Constituição exigências que poderiam ser facilmente contempladas na lei ordinária.
Sempre falamos que só apresentaríamos esse DVS caso houvesse condições políticas para a sua aprovação ou um amplo entendimento junto às diferentes lideranças partidárias do Congresso. A nossa proposta gerou polêmica, com muitos achando que estaríamos abrindo mão do poder de influenciar na elaboração de lei que disporá sobre organização dos serviços e criação de um órgão regulador quando, na verdade, um dos principais objetivos da nossa frente é fazer com que os parlamentares sejam ouvidos no momento de regulamentação da matéria.
Como não houve clima para as alterações que defendemos -e queremos ver o texto aprovado o mais rápido possível-, pelo menos poderíamos tentar um entendimento junto às lideranças da Câmara e do Senado para suprimir do art. 21 a expressão ``e outros aspectos institucionais", que ninguém sabe dizer o que é e está no texto da emenda votada em primeiro turno.
Devemos ter em mente que a extinção dos monopólios é uma tendência mundial, já que as mais diversas nações têm perseguido a formulação de sistemas mais próximos à iniciativa privada e mais distantes da presença do Estado. Estamos convencidos de que o sistema monopolista constitui obstáculo ``praticamente intransponível" para o desenvolvimento do país e a superação das desigualdades sociais.
No Brasil, as telecomunicações foram grandemente impulsionadas nos primeiros dez anos de existência da Telebrás, quando funcionou bem a tese monopolista. A partir de 1980, no entanto, a prioridade de investimentos no setor foi grandemente reduzida, e o panorama atual da telefonia no Brasil apresenta aspectos bastante desfavoráveis:
1) Existem apenas 8,3 linhas telefônicas para cada 100 habitantes, e o país ocupa, nesse parâmetro, a 43ª posição mundial, o que não condiz com o fato de ser a décima economia do mundo.
2) Verifica-se má distribuição dos serviços segundo a região geográfica, com 13 linhas para 100 habitantes em São Paulo (Estado que deveria contar hoje com 25 linhas para atender a 100) e apenas duas linhas no Maranhão (que precisaria de 13 linhas para atender a esse mesmo número de usuários).
3) Não dispõem de linhas telefônicas 78% das residências urbanas do Brasil, 98% das propriedades rurais e 46% dos estabelecimentos de negócios (fonte Telebrás, 1993).
4) Cobram-se preços excessivamente elevados pelas linhas telefônicas (cerca de US$ 1.200 no Sistema Telebrás e até US$ 10.000 no mercado negro em São Paulo). Além disso, registram-se o atraso na implantação de novas tecnologias e a exaustão da capacidade de financiamento do Estado: nos próximos quatro anos, o país precisará de US$ 30 bilhões, e a Telebrás só tem condições de investir US$ 14 bilhões, recursos que, se não forem supridos pela iniciativa privada, terão de ser retirados de setores como educação e saúde.
5) É deficiente o atendimento na entrega de linhas. Nos últimos sete anos, milhares de pessoas e empresas pagaram antecipadamente por seus telefones e enfrentaram uma espera média de quatro anos (em São Paulo, cerca de 400 mil pessoas tiveram que esperar sete anos pela entrega; no município de Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó, 11 cidadãos pagaram seus carnês de planos de expansão em 1976 e só receberam seus telefones 15 anos depois, em 1991).
6) É baixa a qualidade dos serviços, com destaque para o sistema de telefonia celular, que demorou tanto para chegar e já se encontra sobrecarregado. Mais de 1 milhão de pessoas aguardam em filas das companhias telefônicas por linhas celulares, mais de 600 mil somente em São Paulo, ou mais que o total de todos os usuários da telefonia celular do México.
7) Verificam-se longa espera e elevados custos nos serviços de transmissão de dados.
Tais informações apenas comprovam que o caráter social das telecomunicações não tem sido atendido e não o foi no decorrer dos 22 anos de atuação da Telebrás. Setores ainda comprometidos com a anacrônica teoria de esquerda apresentam o argumento falacioso de que somente o Estado pode garantir a oferta de serviços de telecomunicações à população levando em conta ``as necessidades sociais".
Entendemos que seria insensato imaginarmos que o Congresso Nacional, como legítimo representante do povo brasileiro, não criará salvaguardas de modo a que as empresas que explorem serviços de alta rentabilidade sejam compelidas a investimentos de caráter social, como telefonias públicas e rural, serviços em áreas geográficas do interior e não apenas das capitais.
Essa foi uma questão bastante discutida pelos parlamentares que integram a frente, membros da comissão especial que analisou a matéria, pelo Executivo e congressistas de diferentes tendências.
Estamos convencidos de que, após aprovação da proposta pelo Congresso, a legislação existente e as que virão a ser elaboradas pelos congressistas acabarão por definir o melhor e mais adequado modelo para a exploração dos serviços de telecomunicações do país, abrindo caminho para o desenvolvimento, para o progresso e modernização da sociedade brasileira.

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