São Paulo, sexta-feira, 9 de junho de 1995
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Governo pagou a conta

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Nem nos períodos mais agudos da campanha eleitoral o professor Cardoso se esbofou tanto. Para convencer deputados e senadores a votarem pela reforma constitucional, ele cumpriu dupla maratona: de um lado, gastando tempo e saliva para convencer os indecisos. De outro, gastando caneta e tinta para pagar as despesas miúdas: nomeações, escalonamento ou perdão de dívidas, favores banais que lubrificaram a decisão de quase 400 congressistas.
Isso representou o ``l'argent du poche", as gorjetas que se dá nos hotéis e restaurantes. Agora FHC pode respirar um pouco aliviado, ele e seus amigos de cruzada. Afinal, conseguiram pagar a primeira parcela da dívida contraída com os grupos que azeitaram sua perdulária campanha e empurraram sua candidatura pela goela da nação.
Daí a prioridade que dedicou à reforma. Conhecemos de longa data aqueles que procuravam com desespero alguém que se prestasse ao papel de reformar a Constituição. Em 1988, ao assinar a Carta Magna, o atual presidente foi dos entusiastas pela constituição-cidadã do dr. Ulysses. Sempre atrás do poder.
FHC foi da esquerda numa época em que a esquerda estava (ou pensava estar) a um passo do poder. Dobrou a esquina errada, virou-se como pôde e voltou ao país para pagar e ver. Está pagando. Sempre achei suspeitos aqueles poucos minutos em que FHC sentou-se com Collor num sofá, antes da posse do caçador de marajás. O apetite pelo poder chegava a ser indecente.
Um dia, conheceremos os detalhes da fatura. O esquerdismo dele sempre foi de salão, espalhafatoso, mas tático. Quando viu a pista livre para uma liderança à direita, quando a questão se resumiu no ``faça isso e lhe poremos lá" -ele topou na hora. A primeira prestação está no papo. Faltam outras. Se não pagar o aluguel do Alvorada com a mesma presteza, corre o risco de ser despejado.

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