São Paulo, terça-feira, 13 de junho de 1995
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Lampião volta como dândi do cangaço

RICARDO CALIL; PAULO MOTA; FÁBIO GUIBU
DA REDAÇÃO

Erramos: 22/06/95
Diferentemente do publicado na capa da Ilustrada do dia 13 de junho, a cidade de Aix-la-Chapelle fica na Alemanha, e não na França. Aix-la-Chapelle é como os franceses conhecem a cidade, que, em alemão, se chama, Aachen.
Lampião volta como dândi do cangaço
Por trás de sua face bárbara, o cangaceiro Lampião escondia um sensível dândi, devotado às questões estéticas e culturais de seu tempo (início do século) e espaço (agreste nordestino).
Baseados em livros e teses dos historiadores Frederico Pernambucano de Melo e Daniel Lins, o filme ``Baile Perfumado" e a exposição ``Eu - Virgulino Lampião" tentam desvendar a estética do cangaço (veja quadro ao lado) criada por Lampião (1897-1938).
``A historiografia oficial sobre Lampião sempre mostrou o discurso dos ganhadores -as volantes, que faziam o papel do Exército. Por isso, era ressaltado apenas o lado `selvagem' do cangaceiro", afirma Daniel Lins.
Além de cometer poesias e músicas, Lampião desenhava, costurava e até bordava as roupas de seu bando em couro ou algodão, na máquina Singer que carregava a seus acampamentos.
Ao contrário dos sertanejos da época, os cangaceiros valorizavam o enfeite. Usavam brincos, anéis, colares e lenços estampados de seda inglesa ou tafetá francês -os do ``rei do cangaço" eram bordados com a sigla C.V.F.L. (Capitão Virgulino Ferreira Lampião).
Os ornamentos provinham dos saques que o bando realizava nas casas de coronéis e baronesas, praticando um inusitado caso de apropriação e difusão cultural.
Entre os objetos de culto do bando, estava o perfume, usado com uma abundância perigosa. ``Como todo sertanejo, os cangaceiros eram muito vaidosos. Às vezes, a polícia os identificava na mata pelo uso exagerado de perfumes", diz Rosemberg Cariry, diretor do filme ``Corisco e Dadá", em fase de finalização.
A preferência de Lampião recaía sobre o Fleur d'Amour, perfume francês muito conceituado entre os anos 20 e 40. Entre as bebidas, o predileto era o uísque escocês White Horse.
Como seu nome indica, o filme ``Baile Perfumado", que começou a ser rodado esta semana em Recife (PE), se detém nessa vocação ``nouveau riche" de Lampião.
Em outro projeto que resgata a cultura cangaceira, a refilmagem de ``O Cangaceiro" (Lima Barreto), essa preocupação estética também está presente. O figurino, por exemplo, foi encomendado ao artista plástico Carybé.
A exposição ``Eu - Virgulino Lampião", que será montada no Centro de Tradições Nordestinas da Rádio Atual, em São Paulo, em julho ou agosto, também mostra um cangaço distante do banditismo, em fotos, gravuras e cordéis.
Além das preocupações materiais, acentuadas por sua aproximação com a aristocracia rural, Lampião acompanhava as novidades culturais de sua época.
Era, por exemplo, leitor assíduo das revistas ``O Cruzeiro", ``Fon- Fon" e ``Noite Ilustrada". Com essas leituras, Lampião e sua mulher, Maria Bonita, criaram gosto pela pose fotográfica, em que imitavam imagens clássicas de Greta Garbo ou Rodolfo Valentino.
Em 1938, reportagem da revista norte-americana ``Time Life" apontava Maria Bonita como uma ``mulher da moda".
Lampião também se interessava por cinema. Em Capela (PE), assistiu a cerca de dez filmes. Gostava da série norte-americana de aventura ``Os Perigos de Minhoca". Também apreciava as histórias de amor. Mas, se o casal se separava, saía antes do fim.
``Lampião tinha um lado feminino muito acentuado. Mas não se deve cair na armadilha de dizer que ele era gay", afirma Lins, autor de uma tese de doutorado sobre Lampião, defendida na Universidade de Sorbonne (França) e está sendo traduzida para o português.
``Quando ele estava calmo, era um doce de mel, mas depois virava uma cobra." Para Lins, o cangaceiro era mais liberal que o sertanejo porque permitia o chamego entre pessoas do mesmo sexo e a ``mancebia" (concubinato).
Segundo ele, há registros de que Lampião recebia cafuné do cangaceiro Cascavel, mas nada além disso. Essas ocorrências teriam desaparecido com a chegada de mulheres ao bando, em 1929. Lins diz que era branda a discriminação contra supostos homossexuais. ``Os efeminados apenas se tornavam cozinheiros e eram obrigados a casar com as mulheres feias."
Frederico Pernambucano de Melo, autor de ``Quem Foi Lampião" e um dos maiores colecionadores e historiadores do cangaço, vê o movimento como um precursor do feminismo no Brasil.
``Pela primeira vez na história, as mulheres dividiam as tarefas com os homens igualitariamente. E o comprimento da saia subiu para cima do joelho", diz. Segundo ele, os acampamentos de cangaceiros se aproximavam das antigas cortes asiáticas, por sua opulência e moral sexual mais permissiva.
Cangaço exportação
Daniel Lins aponta uma espécie de ``boom" do cangaço no exterior. De acordo com suas contas, foram produzidas recentemente dez teses na Europa (três só na Sorbonne) e seis nos EUA relacionadas ao tema, em sua maioria realizadas por estrangeiros.
Há menos de um mês, terminou em Aix-la-Chapelle (França) uma exposição sobre o cangaço promovida por uma instituição governamental da Suíça.
Segundo Lins, vários fatores explicam esse interesse. Em primeiro lugar, o cinema, com ``O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto, e ``Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964), de Glauber Rocha. Depois, a literatura, com as obras de Graciliano Ramos.
Contribui também o caráter exótico e político do cangaceiro (que, pela ótica esquerdista, seria um revolucionário). ``Lampião continua como uma máquina de sonho. E, além disso, a idéia do herói efêmero (morreu aos 41 anos, de forma violenta) o traz para a pós-modernidade", conclui Lins.

Colaboraram PAULO MOTA, da Agência Folha em Fortaleza, e FÁBIO GUIBU, da Agência Folha, em Recife

LEIA MAIS
sobre a estética do cangaço à pág. 5-4

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