São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Papa e comunismo duelam na China

JAIME SPITZCOVSKY; FERNANDO MOLICA
DE PEQUIM

FERNANDO MOLICA
A Igreja Católica na China, dividida entre os partidários do regime comunista e os fiéis pró-Vaticano, se aproxima do final do século em crescimento. Os seguidores da "Igreja do Silêncio", que rejeitam o controle do governo chinês, continuam a desafiar a repressão e praticam a religião na clandestinidade, com missas em casas e cerimônias secretas.
Cerca de 200 padres estão nas prisões ou em campos de trabalhos forçados, segundo a entidade católica norte-americana "Free the Fathers" (Libertem os Padres).
A Anistia Internacional, entidade pró-direitos humanos sediada em Londres, acusa a polícia chinesa de torturar fiéis que se recusam a seguir a política governamental de controle da natalidade, conhecida como "um casal, um filho".
Na China, além da "Igreja do Silêncio", existe a Associação Patriótica dos Católicos, organizada nos anos 50 pelo Partido Comunista para rejeitar a lealdade ao papa e ao Vaticano e colocar os líderes religiosos sob controle do governo. A igreja oficial reúne hoje cerca de 4 milhões de fiéis (0,3% da população).
A expansão se espelha nos 50 mil batizados registrados anualmente pela igreja oficial. "Realmente estamos crescendo, mas somos ainda poucos num país de 1,2 bilhão de habitantes", diz Fu Tieshan, bispo de Pequim.
O mundo do catolicismo tolerado pelo governo conta hoje 115 dioceses, 4.000 igrejas, 70 bispos, cerca de 700 padres e 12 seminários com 800 alunos. Nestes anos, 23 seminaristas viajaram aos EUA para estudar teologia.
A "Igreja do Silêncio" teria 400 padres e as estimativas sobre o número de seus fiéis variam entre 1,5 milhão e 6 milhões.
Nos últimos anos, a linha demarcatória entre as vertentes do catolicismo na China foi se tornando menos clara por causa do crescimento do número de religiosos que frequentam os dois lados.
Entre os bispos "patrióticos", cerca de 20 são reconhecidos pelo Vaticano e também cerca de 20 já encaminharam, secretamente, pedidos para formalização dessa ligação clandestina, contabiliza o padre Michel Marcil, diretor da Amitié-Chine (Amizade-China), organização católica sediada em Montreal, Canadá.
O religioso brasileiro Leonardo Boff conta que em 1988 visitou a China e, num banquete, um bispo "patriótico" lhe entregou um pequeno pedaço de papel. A mensagem, secreta e escrita em latim, deveria ser entregue ao papa e carregava uma declaração de fidelidade ao Vaticano. Boff diz que fez o bilhete chegar a João Paulo 2º.
"Pelo menos dez bispos já abandonaram a igreja clandestina e se reconciliaram conosco", afirma o bispo Fu Tieshan. "Nós mantemos contatos com a igreja clandestina há pelo menos dez anos".
A China, ao implantar a partir de 1978 a economia de mercado, abandonou o isolamento e a feroz retórica dos anos da ortodoxia comunista. O líder Mao Tse-tung, morto em 1976, definia os missionários estrangeiros como uma ponta-de-lança da "política imperialista de agressão cultural".
Lealdade ao Vaticano aparecia como "traição". Apenas a autoridade comunista poderia reinar. Mas atualmente, num sinal de flexibilização, a igreja oficial já reconhece o papa como "líder espiritual" e reza por ele nas missas celebradas em chinês.
O mecânico Gao Lian Yi, 65, termina suas preces na igreja de Nosso Salvador, construída em 1888 no centro de Pequim. Comenta: "A nossa situação (de liberdade) está melhor hoje graças a Deng (Xiaoping, idealizador das reformas iniciadas em 1978)".
O crescimento do catolicismo embarca na onda de renascimento religioso verificado no pós-Guerra Fria. O fracasso do "socialismo real" deixou um vácuo ideológico a se preencher e, na China, onde também crescem o budismo e o islamismo, o cristianismo atrai como símbolo de ocidentalização.
Mas, para frear o avanço religioso, continua a repressão, embora menos intensa do que nos anos 70. A lei chinesa proíbe reuniões nos locais de culto não-registrados e considera "ilegais, perturbadoras da paz pública e anti-sociais" as cerimônias presididas por um sacerdote sem permissão oficial.
A China também restringe a atuação de fiéis e estrangeiros e proíbe que eles criem escolas ou outras organizações religiosas. Pregação é permitida apenas a "convidados do governo".
O governo também não perdoa "literatura subversiva" e estrangeiros podem entrar no país "apenas com material religioso para uso próprio".
A lei: "Está proibida a entrada de material religioso que tenha conteúdo prejudicial aos interesses público e social da China".
O contrabando de bíblias impressas fora do controle do governo floresce desde Hong Kong, a colônia britânica encravada no sul da China. Seus 257 mil católicos (5% da população) constituem uma das principais fontes de apoio espiritual e financeiro para os seguidores da "Igreja do Silêncio".
Bíblias da "Igreja Patriótica" apresentam duas pequenas alterações que marcam a diferença principal entre as duas vertentes católicas na China, ou seja, a questão do papel do papa e do Vaticano.
Essas mudanças foram feitas em notas de rodapé de trechos dos evangelhos de São Mateus e São João. As notas nas bíblias católicas representam a interpretação da igreja para o que é relatado.
As alterações feitas pela edição "patriótica" nessas duas notas procuram descaracterizar o chamado "primado do papa" -o direito de os papas, sucessores de São Pedro, de acordo com a igreja, comandarem o cristianismo.

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sobre a Igreja Católica à pág. 1-19

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