São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Cinquenta coisas detestáveis sobre a música brasileira

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Esse cara não gosta de reggae, não gosta de banda inglesa, não gosta disso e daquilo. Pô, ele gosta de quê então?
Não interessa. Principalmente porque nossos ódios, birras e neuras informam mais sobre a gente do que nossos gostos.
Pensei em compartilhar com vocês algumas das coisas que considero mais odiosas e repulsivas sobre a cena musical brasileira. Como sou um jornalista moderno, fiz uma listinha, com número redondo e tudo.
Podia ser bem maior, claro. Para chegar a esses 50 itens que atravancam o progresso musical brasileiro, usei métodos surrealistas: escrita automática e paranóia criativa.
Com vocês, minha ``shit list".
Música feita para músicos.
Músico que está "desenvolvendo um trabalho", "batalhando um espaço, ou que reclama que "a mídia não apóia".
Jornalista sem opinião.
Jornalista com opinião igualzinha à das gravadoras, ou à do seu chefe.
Jornalista que sempre tem opiniões simpáticas ao leitor.
Gente de gravadora que acha que a função do jornalista é divulgar os seus produtos.
Gente de gravadora que pede para jornalista "dar uma força".
Artista que só dá entrevista se for capa da revista.
Locutor de rádio metido a engraçadinho.
Locutor de rádio que fala inglês errado -inclusive os nomes das bandas.
Banda que canta em inglês errado.
Letras em inglês que não fazem o menor sentido.
Letras em português que não fazem o menor sentido.
Letras "poéticas" e letristas que se imaginam poetas.
O fato de todas as grandes gravadoras terem suas sedes no Rio de Janeiro.
A baixíssima qualidade das fitas-cassete feitas no Brasil.
Os impostos altíssimos que a gente paga em cima de coisas importadas, inclusive as que não têm similar nacional.
Lojas que cobram o dobro do preço normal de um CD importado.
Rádio que toca sempre as mesmas faixas, inclusive os flashbacks.
Rádio que só toca flashback.
Casas noturnas sem trilha sonora.
Casas noturnas com trilha sonora ruim.
A ausência de bares ou clubes que toquem rock.
Casas noturnas que não são clubes gays, mas onde qualquer pessoa que não seja gay se sente deslocada -ou mal mesmo.
Festa com "Kiss", do Prince.
A preguiça mental dos promotores de shows, que trazem um artista internacional por mês.
A ausência de um circuito de shows no interior paulista.
A ausência de um circuito de shows nas praias no verão.
"Alternativos" profissionais.
O argumento de que determinado artista é (ou virou) "muito comercial".
O argumento de que determinado artista é bom porque toca bem, ou ruim porque toca mal.
CDs com encartes vagabundos, ou sem encartes mesmo.
Artigos louvatórios garantindo que um artista brasileiro qualquer "arrasou" em Nova York, Montreaux, Japão etc.
Guitarristas que acham que tocar bem é tocar um milhão de notas por segundo.
Projetos solo.
Roqueiros decadentes.
Gente que faz tatuagem, pára de lavar o cabelo, usa botinas e acha que tem atitude.
Drogados profissionais.
Festivais para revelar novas bandas que não revelam ninguém, ou pelo menos ninguém que preste.
Rappers que reclamam do "sistema".
A ruindade da cobertura musical em jornais e revistas.
Diretores de videoclipes (e de publicidade) que chamam seu trabalho de "filme".
O espírito de horda que faz com que todo mundo fale das mesmas coisas e ouça as mesmas músicas.
Os preços ridiculamente caros das casas de show.
A pobreza das pretensas "megastores" locais.
O Prêmio Sharp.
A falta de independência de quase todas as gravadoras independentes.
A miséria mental do metal nacional.
"Yo, MTV Raps".
Bossa Nova.
Caetano Veloso.

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