São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Evento esquece o cinema brasileiro

Mostra no Rio ignora questão nacional

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Reconheça-se de pronto: ``A Construção do Futuro - Mais um Século de Cinema", realizado pelo Centro Cultural Banco do Brasil no Rio com curadoria de João Luiz Vieira e organização da Neon Rio, deve firmar-se como o mais ambicioso evento brasileiro dedicado ao centenário do cinema.
Um ciclo internacional de palestras, uma mostra de filmes e uma instalação especial de vídeo lotam um mês de programa (de 2 de junho último a 2 de julho próximo).
``A Construção do Futuro" indaga ao cinema de hoje como poderá ser o amanhã dos filmes (o ontem não se insere entre suas preocupações).
Não surpreende, assim, que o ciclo tenha sido aberto por um clássico do cinema futurista (``Metrópolis", de Fritz Lang, 1926) e vá ser encerrado por outro (``Daqui a Cem Anos", H.G. Wells adaptado por Cameron Menzies em 1936), dois típicos exemplos de que profecias no cinema falam mais da época em que foram realizadas do que de seus alvos posteriores. O evento do CCBB não deve ter outro destino.
Quatro eixos centrais são desenvolvidos: a revolução tecnológica (produção, sobretudo), novas tendências estéticas, evoluções recentes de linguagem, o multiculturalismo.
A interatividade, que procura transformar o espectador em co-autor das narrativas audiovisuais, é central à instalação ``Anos Luz", de Marcello Dantas, a grande frustração da mostra.
``Anos Luz" é um labirinto de imagens em dípticos projetadas em tiras de látex da altura de um homem. Trechos de filmes, dos irmãos Lumière a Zhang Yimou, formam 4.700 percursos possíveis. Duas cenas de ``Metrópolis" compõem o par inicial. A opção entre a tela da direita e a da esquerda dá sequência ao passeio.
``Anos Luz" não sofre na conceituação, esbanja na produção, mas acaba não funcionando. O projeto, concretizado, não motiva ou emociona. Passou-se longe da interatividade.
O documentarista americano Steve James concretiza em ``Hoop Dreams" o ideal coppoliano de que cada câmera de vídeo torna seu detentor um diretor potencial. Os filmes do britânico Isaac Julien comprovam a possível cumplicidade da televisão com a produção autoral mais radical.
No encontro do Rio, estudadamente, produção e reflexão parecem juntos arquitetar um segundo século do cinema.
Pena que o Brasil pareça fora dele. Uma justa citação de Glauber Rocha no catálogo e um trecho de ``Bang Bang", de Andrea Tonacci, na instalação de Marcello Dantas são tudo. Não há nem sequer um curta brasileiro no ciclo de filmes e tampouco um único palestrante nacional.
Descuido, preconceito ou provocação? Tanto faz. O que importa é que se perde assim uma grande chance de contextualizar nesse debate um Brasil que luta hoje exatamente para reconciliar-se com seu cinema.
E multiculturalismo, revisão dos papéis da TV e maior acessibilidade aos meios de produção audiovisual são temas absolutamente fundamentais da agenda brasileira deste final de século. Lá se foi outra chance.

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