São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Obra busca moderno na tradição realista

INÁCIO ARAÚJO
DA REDAÇÃO

No primeiro momento, é justo pôr o pé atrás. Os filmes de Eric Rohmer têm fala demais, movimento de menos. A câmera não faz nenhum movimento espetacular, a intriga engata lentamente.
Aos poucos, percebe-se que esses "defeitos não são bem defeitos. São um estilo. Então, estranhamente, os personagens deixam de aparecer ao espectador como personagens: são como um parente próximo, uma vizinha, a moça que se conheceu há certo tempo.
Começamos a ser apresentados, aí, ao realismo radical de Rohmer. É verdade, até o final do filme (ou do ciclo) esses personagens guardarão algo estranho. São -como bons franceses- racionalistas até a medula. Procuram explicação para cada um de seus gestos.
Também são herdeiros do existencialismo e sabem que, na vida, é preciso dizer sim a certas coisas e não a outras. São pessoas modernas, vivem após a revolução dos costumes e já não têm códigos fixos de comportamento para se apoiar: criam sua própria moral.
É possível definir os personagens de Rohmer como ele próprio descreveu os de La Bryère, o pensador francês do século 17: são vistos do exterior, a partir de seus gestos, de suas roupas. Quando falam, é como se quisessem esconder um vazio interior.
Os filmes podem ser agrupados em três grandes momentos. Nos "Contos Morais (1962-1972), a questão da escolha é mais aguda. Em ``O Amor à Tarde" (1972), por exemplo, um homem casado deve decidir se sai com uma antiga amiga que o paquera ou se se mantém fiel à mulher.
A partir de "Comédias e Provérbios (1980-1987), os personagens apostam em seu futuro. Em "Um Bom Casamento (1981), uma garota decide casar e escolhe arbitrariamente um advogado para seu futuro marido. Em "O Amigo de Minha Amiga (1987), Lea apaixona-se por Alexandre, um bonitão. Com o tempo, nota que sua proximidade real é com o namorado de sua amiga Blanche.
Nos "Contos das Quatro Estações (a partir de 1989), por fim, a natureza se impõe; as estações do ano e suas mudanças acompanham as sutis mudanças dos personagens. Assim, no "Conto de Inverno (1991) uma cabeleireira oscila de amante em amante, à espera do homem a quem amou anos atrás, e de quem se perdeu por acaso.
A partir de "Comédias, a questão central é saber se o personagem será iluminado ou não pela graça (leia texto à pág. 5-1). Nesse sentido, para quem ainda não conhece a obra de Rohmer, vale a pena começar por ``As Noites da Lua Cheia" (1984). A história é a de uma moça que ama seu namorado, mas quer montar um apartamento próprio, encontrar a própria solidão.
Este foi o primeiro grande sucesso comercial do diretor. Foi, também, aquele em que ficou mais clara sua moral cinematográfica, da qual derivam suas opções estéticas. E que define sua estranha modernidade, uma modernidade que resumiu em uma frase: "O cinema não diz nada, o cinema mostra. (Inácio Araujo)

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