São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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Berlim cria cátedra de literatura brasileira

MARILENE FELINTO
EM BERLIM

A literatura brasileira conseguiu derrubar a cortina de ferro da academia alemã. Pela primeira vez na história, haverá uma cadeira de literatura brasileira em uma universidade da Alemanha.
A cátedra -cadeira ou função ocupada por professor titular ou efetivo- foi criada na verdade entre 88 e 89, mas a decisão final só foi tomada em fins de maio último, pelo ministro da Secretaria de Ciência e Pesquisa do governo de Berlim.
A cadeira vai compor o departamento de literaturas hispano-americanas do instituto de estudos latino-americanos da Universidade Livre de Berlim.
Segundo o professor alemão Berthold Zilly, 50, tradutor de Euclides da Cunha para o alemão e membro do instituto, ``a criação da cadeira é um marco nas relações Brasil/Alemanha e um passo importante para os estudos acadêmicos sobre literatura brasileira".
Um dos professores mais empenhados na luta pela oficialização da disciplina na Universidade Livre, Zilly conta que, na academia alemã, a literatura brasileira sempre foi apêndice da portuguesa.
``Ainda não se tinha a dimensão da literatura brasileira no contexto acadêmico. Além disso, a partir dos anos 60, com o boom da literatura latino-americana, a literatura brasileira acabou sendo eclipsada pela literatura sul-americana de língua espanhola."
Zilly também aponta como causa desse atraso o fato de os catedráticos alemães dedicados às línguas românicas raramente falarem português até duas décadas atrás, dando preferência ao francês, espanhol e italiano.
Para o professor, o crescente prestígio da literatura brasileira na Alemanha contribuiu para acelerar as coisas, com ênfase no fato de o Brasil ter sido tema da Feira do Livro de Frankfurt do ano passado.
Mas é preciso lembrar que grandes escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector e João Cabral, estão traduzidos para o alemão há décadas. Também é grande o número de teses e artigos sobre obras brasileiras.
Segundo Zilly, outro fator é o crescimento do interesse dos alunos com a passagem pela universidade de professores brasileiros visitantes nos últimos anos.
Ele acha ainda que, embora a disciplina de língua portuguesa do instituto de línguas românicas da Universidade Livre só ofereça cursos em português de Portugal, será este o momento para que a literatura brasileira deixe de ser procurada como matéria optativa e se transforme em uma das mais concorridas.
Há também eventuais cursos de português ``brasileiro" na universidade, como matéria optativa, e Zilly, que morou durante vários anos no Brasil, é um dos que dão essas aulas.
Seja como for, a cátedra de literatura brasileira da Universidade Livre de Berlim será inaugurada no próximo semestre letivo, a começar em outubro.
O nome escolhido para ocupar a cadeira foi o da brasileira Lígia Chiappini Moraes Leite, 50, da faculdade de letras da Universidade de São Paulo. Professora titular da cadeira de teoria literária da USP, Chiappini se inscreveu para o concurso à vaga em 1990, concorrendo com 19 outros professores, entre alemães e brasileiros.
Ela diz que a demora para a decisão final se deveu principalmente a problemas internos da universidade, de ordem burocrática, política e financeira.
``Por mais de uma vez a cadeira esteve sob ameaça de fechar. A universidade argumentava que tinha problemas financeiros depois da reunificação da Alemanha. O instituto precisou referendar novamente o pedido. Em 1994, houve nova investigação de currículo, para a qual foram consultados três professores de fora da universidade, e precisei enviar nova lista de publicações. O governo de Berlim só se decidiu depois da avaliação favorável dessa comissão."
Gaúcha, especialista em João Simões Lopes Neto, Chiappini já foi professora visitante por duas vezes na Universidade Livre de Berlim, primeiro entre 89/90 e depois como bolsista da Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo) e de uma instituição alemão.
Ela acha que há grande expectativa entre os alunos por um curso sobre literatura brasileira do século 19, do Brasil colônia, ``mais difícil de encontrar quem ministre", porque a literatura contemporânea é sempre vista em cursos de professores visitantes.
Chiappini ainda não acertou os detalhes de sua transferência para Berlim, mas acha que só poderá tomar posse no novo cargo em novembro, quando termina o ano letivo na Universidade de São Paulo, onde continua trabalhando.
Pretende inaugurar a cadeira com quatro cursos, um panorâmico sobre a poesia brasileira, um sobre o conto contemporâneo, outro sobre a literatura gauchesca platina e brasileira, e outro sobre literatura e história.
Para Chiappini, o mais compensador não é o salário de uma universidade alemã, praticamente igual ao da USP para um professor titular, incluindo uma bolsa a que tem direito. ``O mais compensador é a qualidade de vida de Berlim, que pode proporcionar mais uns dez anos de vida."
Chiappini é autora, entre outros, de ``Regionalismo e Modernismo" (Ática, 1978) e ``No Entretanto dos Tempos: Literatura e História em João Simões Lopes Neto" (Martins Fontes, 1988).

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