São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
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O (des)crédito rural

JOSÉ ELI DA VEIGA
O fato de a suspensão do crédito agrícola pelo Banco do Brasil ter sido absorvida sem grandes protestos só pode surpreender quem ainda não se deu conta de sua insignificância.
Teria provocado forte comoção se estivéssemos em 87, quando o crédito rural ainda operava quase 2,7 milhões de contratos, dos quais mais de 2,5 milhões davam apoio a agricultores familiares.
Hoje, com menos de 400 mil contratos tornou-se meramente residual o papel do Banco do Brasil na produção agrícola.
A produção de grãos passou, em pouco mais de 15 anos, de um patamar de 50 milhões de toneladas para outro próximo dos 80 milhões, sem aumento da área.
Enquanto isso, o volume dos recursos destinados ao crédito rural despencava de US$ 50 bilhões para menos de US$ 10 bilhões.
Considerando-se que a elevação da produtividade se fez a um custo mais elevado, só se pode concluir que a maioria dos produtores conta com outras fontes de crédito.
Só uma pequena parcela dos recursos movimentados pelo setor agropecuário tem sido oferecida pelo sistema de crédito rural institucionalizado.
A maior parte provém de indústrias de transformação, cooperativas e exportadores.
Simultaneamente, para atender a agricultura familiar moderna proliferaram novos esquemas de crédito voltados aos "pequenos e médios produtores", lançados principalmente pelos bancos estaduais do Centro-Sul.
Mais recentemente, começou a ganhar importância a discussão sobre o papel dos municípios no apoio à agricultura.
O caso do Funder (Fundo para a Promoção do Desenvolvimento de Urupema), em Santa Catarina, vem sendo apontado como bom modelo desse tipo de iniciativa. Além disso, entraram em funcionamento diversos "Fundos Rotativos", criados por ONGs (Organizações Não-Governamentais).
Na região centro-oeste do Paraná já existem 17, com finalidades distintas. Os fundos são instrumentos ágeis no crédito de investimento e se destinam prioritariamente a agricultores familiares.
Nessa garimpagem de alternativas de crédito, outra iniciativa importante é o Certificado de Mercadoria com emissão garantida, "CM-G", um contrato mercantil de venda e compra de mercadorias, destinado à negociação em bolsas de cereais ou mercadorias e registrado centralizadamente para garantir sua liquidação física.
Permite ao produtor, ao investidor e ao comprador de commodities agropecuárias realizar negócios no mercado à vista, no mercado físico para entrega futura e no mercado de futuros e opções para garantia de preços.
Esse esquema promete se transformar num importante mecanismo de captação de recursos no mercado financeiro.
Também começou a se expandir o cooperativismo de crédito. Até o final de 93, as 206 cooperativas de crédito rural já contavam com 163,7 mil associados.
Só que existem diversos entraves institucionais que impedem seu desenvolvimento, quase todos impostos por um míope regulamento baixado pela Resolução 1914/92 do BC (Banco Central).
Entre eles, destacam-se: o monopólio exercido pelo Banco do Brasil sobre os depósitos voluntários das cooperativas de crédito; a impossibilidade de elas constituírem Carteira de Poupança Rural e administrarem Fundos de Investimento; e a obrigação de que um quarto dos recursos seja alocado a outras modalidades de financiamento.
Além disso, há impedimento para a captação de recursos não-associados, devido ao obtuso parágrafo único do artigo 5º de outra Resolução do Banco Central, de número 2.099/94.
É simplesmente absurdo que essa dobradinha entre o Banco Central e o Banco do Brasil crie tantos obstáculos ao sistema de crédito cooperativo.
O presidente Fernando Henrique Cardoso precisa ser informado de que está em curso um profundo processo de transição que deveria ter o apoio do governo, pois certamente engendrará instrumentos de crédito bem mais adequados às nossas condições do que o falido (SNCR) Sistema Nacional de Crédito Rural.
E uma iniciativa de grande impacto seria lançar, por meio das cooperativas, uma linha especial para investimentos de jovens agricultores familiares.
De fato, é necessário com urgência um esquema de financiamento que estimule o enfoque sistêmico no planejamento e gestão dos estabelecimentos familiares.
A idéia central é apoiar financeiramente planos de desenvolvimento global integrado a serem apresentados por jovens agricultores familiares.
Um programa aberto apenas àqueles que exerçam a atividade agrícola de forma direta e com sua família, que demonstrem suficiente capacidade profissional, que tenham uma renda familiar inferior à média regional e que se comprometam a manter um sistema contábil desde o início do plano.
Enfim, determinar a revisão das citadas resoluções do Banco Central e alavancar o investimento da agricultura familiar via cooperativas de crédito seriam excelentes contrapartidas às desgastantes, mas forçosas, concessões ao calote ruralista.

JOSÉ ELI DA VEIGA, 47, pós-doutorado em economia pelas universidades de Londres e da Califórnia, é professor associado da FEA-USP e autor de ``O Desenvolvimento Agrícola; Uma visão histórica" (EDUSP, 1991).

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