São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No longo alcance

JANIO DE FREITAS

Na embrulhada dos carros importados, nem por ingenuidade caberia dissociar a pressão do ministro José Serra, por restrições amplas à importação, dos objetivos políticos sempre presentes em todos os seus gestos e palavras. Muito mais importante do que o avanço contra a posição do ministro Pedro Malan, a medida proposta por Serra foi uma estocada certeira no seu maior adversário político, para não dizer inimigo pessoal: Ciro Gomes, cuja abertura extremada e malpensada para produtos estrangeiros, quando ministro da Fazenda, foi posta agora como erro desqualificante.
Já nesse efeito sobre a imagem de Ciro Gomes vislumbram-se os primórdios da disputa pela sucessão presidencial. Mas, não havendo dúvida de que as restrições à importação -e não só à de carros- são inspiradas pelo grande empresariado paulista, os efeitos da ação de Serra não se restringem às pretensões de Ciro Gomes. Situam Serra na dianteira de Luís Eduardo Magalhães e de qualquer outro que pudesse angariar a preferência de um segmento tão importante, financeira e eleitoralmente, como o grande empresariado paulista.
José Serra é político em tempo integral. Quando parece que está falando de economia, na verdade, está fazendo política, à qual subordina sua condição de economista. Note-se, como um dos tantos suportes possíveis dessa afirmação, que ele já procurou contato com a ``esquerda" no Congresso, pleiteando apoio para sua defesa de restrições aos importados: enquanto todos se entregam ao neoliberalismo, Serra se insinua como representante do protecionismo deixado em orfandade. Nega-o onde convém negá-lo, mas, por trás da cortina, utiliza-o já com algum proveito -que o diga o deputado José Genoino.
Aumento suspeito
Apesar da improbabilidade de consequências, impensáveis quando ameaçam grandes interesses financeiros, é louvável a providência do deputado Aldo Rebelo de pedir inquérito criminal para verificar a sonegação de gás engarrafado pelas distribuidoras.
Os indícios de sonegação avolumaram-se muito na semana passada. E, repentinamente, o Ministério das Minas e Energia aumentou o preço do botijão, entre 19% e 28%, a partir da meia-noite de ontem. Os botijões que estivessem estocados passaram a dar lucro maior na mesma proporção.
Foi tão esquisito o aumento, que o governo o determinou sem considerar que o preço do botijão varia de Estado para Estado, exigindo uma tabela com cada preço estadual. O aumento gerou ontem enorme confusão em inúmeras regiões, porque o preço antigo não valia, e o novo ninguém sabia. A tabela ficou prometida para hoje.
Mas que motivo imporia tanta pressa? A suspeita do deputado faz sentido: ele está convicto de que tudo estava acertado entre distribuidoras e governo, com data marcada.

Texto Anterior: 'Negociação está bem encaminhada'
Próximo Texto: Argentina acusa Brasil de abrir guerra por fábricas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.