São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
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FHC diz o que pensa em comício imaginário

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

S ou de esquerda ou sou de direita? Que acham vocês? Ninguém me ajuda?", o presidente berra no palanque no meio do cerrado vermelho.
``As patrulhas não me deram um dia de sossego, desde o primeiro dia como presidente. Eu nunca vi uma oposição tão cerrada! Por que vocês agitam com ódio suas bandeiras contra mim?
(``Neoliberal!" ``Neoliberal", gritam os manifestantes).
``Vocês me chamam de `neoliberal' para sufocar a hipótese de que eu seja social-democrata! (``Fora! Fora!") Por que gritam? Se me apoiassem, eu não precisaria estar dançando o tempo todo entre a chantagem e a sabotagem! Tenho de negociar com a chantagem dos ruralistas para evitar a sabotagem da Jandira Feghalli sobre os juros de 12% ao ano! (Bandeiras vermelhas drapejam.) Vocês fazem a união do PC do B com os yuppies da inflação! Tenho de depender dos ruralistas para deter esta `Passionária' dos 12%..."
(Ah... Jandira, estranha líder fundamentalista, seria bom que ela usasse o véu iraniano no rosto... ah!... ah!", pensa FHC).
(``Fora, reacionário!", soam os gritos)
``Vejam! A união da burrice com a má fé... Vou morrer sozinho, sem a ajuda nem dos jovens... E este Congresso da UNE? São todos albaneses... Como são burros estes meninos! Ah... a UNE dos bons tempos do Serra, do Caldeira Brant, do Vianinha, do Cacá Diegues, até da besta do Jabor... (``Fora FHC!") Podem gritar! Este palanque resistirá e eu resistirei! Vocês não me odeiam! Vocês odeiam é a idéia de uma esquerda complexa que eu proponho! ...Acham que complexidade é frescura!
(Ah, Marx, que inventaste a idéia de sobredeterminação entre as coisas, eu que estudei tanto o `O Capital' tenho de aguentar esta burrice!)
``Será que vocês não vêem que é impossível ignorar o duro mundo das coisas, das loucas relações de produção? Por que vocês não entendem que não existiriam se não tivesse havido o progresso industrial do ABC? (``Olê, olá, Lula! Lula!")
(Meu Deus, é terrível ver que há até na parcialidade dos interesses privados de um PFL, por exemplo, mais sabedoria histórica que no ``nhenhenhém" dos slogans totalizantes! A parcialidade construiu os USA. O mito da totalidade é um céu de consolo sobre a face da miséria! Ah... frase barroca... Santo Deus, passei a vida vendo as coisas derrubarem as palavras! Os slogans caíam um a um diante dos petrodólares, dos tanques, dos rosários das marchas das famílias. E a turma falando, falando. De onde vem este amor verbal da esquerda velha do Brasil? De Portugal?)
(``Lula, Lula!")
``Pois saibam, meu povo, que o Lula, com 30 milhões de votos nas costas, está se comportando como um líder sindicalista menor, e não como o estadista que ele devia ser. Nunca veio dialogar comigo, seu velho companheiro, eu que não existiria sem sua invenção do neo-sindicalismo dos anos 70! Hoje, o Lula é refém de um bando de fundamentalistas loucos! É impressionante a psicopatologia política da velha esquerda! Vocês viraram um museu do stalinismo! Deviam ser atração turística para visitantes do leste europeu... Ah! ah!... Até no Vietnã a esquerda está moderna! Mas lá, todos foram heróis de guerra, comeram napalm e não passaram a vida em lutas sindicais com a proteção da `interface' getulista do Estado! (``Uhhhh!") Vocês têm medo de rever posições. Um patrulha o outro! É mais seguro ser chamado de sectário do que de traidor! Companheiros! (``Uhhhhh!") Vocês não podem enfrentar um capitalismo de fluxos com táticas industrialistas! Anos 50 contra ano 2000! Ninguém vê?"
(Excelente o artigo do Tarso Genro, prefeito de Porto Alegre, sobre renovação da esquerda. Mas, que estilo temeroso, quanto medo de ser chamado de `revisionista traidor'. Parecia que o Paulo Paim e o Chico Vigilante `vigiavam' por cima de seu ombro!)
``Por que me odeiam tanto? Por que aquele manifestante ergue o braço com ódio, gritando `Fora!'. Nem com Sarney vocês fizeram isso! Vocês sentem falta em mim do suor, das mangas de camisa, da caspa populista, do messianismo! Todos querem o messianismo! Como vocês amam as impossibilidades! Estes pobres peões que me xingam não têm culpa, não foram à escola; mas, e vocês, intelectuais escondidos aí atrás das kombis da caravana, junto com as `nomenklaturas' sindicais? Vocês ostentam a fome dos pobres como uma medalha, vocês têm uma espécie de `indústria da seca': a indústria da miséria! Vocês a denunciam para se enobrecer! Vocês acham que são donos da miséria? A miséria é vosso mercado! Vocês, velhos esquerdistas, se sentem santificados pelo ideal e perdoados de suas ignorâncias. A burrice é até mesmo uma metáfora para vossa `pureza'... Vocês têm um sublime descaso pelas `nuances' políticas, que são vividas como viadagem de intelectual. Para vocês, só a radicalidade é viril... ah... ah...!".
(Santo Deus... lá vêm eles gritando com bandeiras do passado...pedras, paus...parece Emile Zola, 1848... Eles não conseguem me perdoar pela complexidade dos convívios políticos. Isto destrói a ``pureza" ideológica, destrói a solidão altiva das ``vítimas" do Poder. Eles odeiam ter Poder.)
``Vocês não querem o Poder; querem ser vítimas!...Não me perdoam por tê-lo tomado. Fiz um sacrilégio. Vocês sempre se alimentaram de impossibilidades... Vocês querem `salvar' o Brasil, mas odeiam os métodos possíveis, administrativos. Vocês são épicos; eu sou realista!"
(Lá vêm eles, avançando contra o palanque com gritos e barbas. Ah! Ah!...me sinto um Oswaldo Cruz na ``revolta da vacina"... Eles me odeiam. Eu entendo. O Estado era para eles o substituto de uma revolução leninista que nunca tiveram de fazer... Eles tinham começo meio e fim...e eu cheguei com fluxos, PFLs... ``c'est trop!" Não ocorre a eles que estejamos navegando numa tendência materialista do mundo? Não leram Marx? Cabe à esquerda redirecionar impulsos históricos possíveis. Isto, jamais... isto vai contra o orgulho onipotente que eles têm de ser os ``sujeitos" da História. Eles não se conformam que haja uma invencível circularidade desordenada no mundo. A grandeza da esquerda teria de ser a aceitação em administrar caminhos possíveis... Mas isto é pouco cinematográfico... A esquerda brasileira tem nostalgia da esquerda... E como a velha Revolução ficou impossível, surgiu no país uma ``revolução de resistência ao novo", uma ``revolução reacionária", o oxímoro perfeito, oh, my God!... Que será deles se este governo der certo? Vão viver de quê? Vão fazer que versos, que músicas? Que farão com as estátuas musculosas de operários de martelo na mão? Ahh... nossos operários estão com saudade de si mesmos... Os petroleiros em greve viveram um filme B; foram figurantes de um ``Germinal", para garantir os 14 salários da elite corporativa... Que erro político esta greve... E fui obrigado a ser o ``mal" deste ``Bem"... Ahh... o leninismo retrógrado no olhar teimoso daquele padre laico, o Spis, sua obsessão arcaica... Será que nunca vão aprender, não têm memória?...)
``Companheiros, entendam, temos de modernizar nossas teorias!" -grita FHC desesperado.
(O manifestante lança a pedra na direção à mim. Como esta pedra vem devagar, feito um meteorito em câmera lenta... Coitado, ele não tem nada e lhe prometem o socialismo... A pedra vai me ferir... Eles terão acertado mais uma vez no inimigo errado. A pedra me atinge. Caio no chão, ouvindo os gritos de vitória. Mais um erro... Que posso fazer? Como dizia Mao Tse-tung, a paciência é uma virtude revolucionária!, pensa o presidente)
E acorda com dor na coluna. Seu grito dói pelo espaço do Alvorada.

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