São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
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Brasileiro se recusou a jogar futebol com sérvios

ANDRÉ FONTENELLE
ENVIADO ESPECIAL A BELGRADO

O brasileiro Harley Alves se recusou a jogar futebol com os soldados sérvios da Bósnia que o mantiveram como refém por mais de três semanas.
Ele também lhes pediu que não divulgassem uma foto em que aparecia algemado, publicada em jornais do mundo inteiro.
Alves, libertado no domingo com 25 outros militares da ONU, relatou esses e outros detalhes de seu cativeiro em conversas separadas com a Folha e com diplomatas brasileiros, ontem em Novi Sad (Sérvia).
Os 26 ex-reféns passaram a noite de anteontem em um hotel de Novi Sad. Ontem à tarde foram levados a Belgrado, onde tomaram um avião da ONU para Zagreb (capital da Croácia).
``Espero que essa crise tenha servido para aproximar todos da paz. Que nosso sacrifício tenha servido para alguma coisa", disse o brasileiro.
O capitão do Exército lembrou o momento em que foi fotografado pelos sérvios, algemado e observado por um soldado.
``Naquela hora, eu pedi aos fotógrafos que não fizessem aquilo. Minha família veria, e isso significaria sofrimento. Mas não tinha como evitar. Seria melhor que não tivesse acontecido", declarou.
Alves disse que não temeu pela própria vida, pois sempre teve ``uma esperança muito grande".
Ele negou informação apurada pela Folha em Belgrado, segundo a qual chegou a estar no ônibus em que foi libertado outro grupo de reféns, na semana passada. Ele teria sido trocado na última hora.
Alves contou o episódio do futebol aos dois diplomatas que o visitaram em Novi Sad -o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Belgrado, Samuel Bueno dos Santos, e o adido militar, coronel Mário Sérgio Costa.
Certo dia, soldados sérvios levaram uma bola de futebol à unidade militar, perto de Pale, onde Alves estava detido. Eles pediram ``conselhos técnicos" ao capitão, por ser brasileiro. Alves não aceitou jogar futebol com os sérvios.
O brasileiro foi um dos primeiros militares da ONU detidos pelos rebeldes, após o bombardeio de alvos sérvios por aviões da Otan (aliança militar ocidental), em 25 e 26 de maio. ``Por alguma ironia do destino, estive no primeiro grupo a ser preso e no último a ser libertado", afirmou.
Alves estava no alojamento de Grbavica (pronuncia-se aproximadamente ``guerbavítsa") com dois observadores da ONU, um holandês e um russo, quando os sérvios chegaram para capturá-los.
``Os rebeldes estavam em dois carros, um veículo de passeio preto e outro das forças da paz da ONU, roubado pelos sérvios", disse Alves.
Eles decidiram libertar o observador russo e levar apenas Alves e o holandês. ``No trajeto até Pale, algumas pessoas cuspiram no carro", afirmou.
Os primeiros dias de cativeiro foram tensos, contou o brasileiro aos diplomatas, mas o início das negociações aumentou a esperança de uma solução rápida.
Os reféns foram bem tratados pelos sérvios. Alves disse que comeu muita carne de porco.
O capitão disse que pôde ouvir as quedas de duas bombas lançadas pelo Exército bósnio sobre Pale, no sábado. No dia seguinte pela manhã, os reféns receberam a notícia de que seriam libertados.
Eles foram agrupados na frente de um ponto de ônibus e receberam a visita do "vice-presidente" da não-reconhecida "República Sérvia da Bósnia", Nikola Koljevic. Em seguida, foram levados de ônibus à Sérvia.
Durante o cativeiro, Alves foi um dos poucos que puderam falar com a família por telefone.
Desde que foi libertado, ele falou duas vezes com os familiares. Mesmo assim, fez questão de mandar mais um recado ontem: "Está tudo tranquilo. Agora tudo terminou".

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