São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995
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Dosagem na repressão às rebeliões de presos preocupa a sociedade

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Tem sido constante no noticiário a sublevação de presos, em estabelecimentos penais brasileiros e em distritos policiais transformados (ilegalmente) em insuficientes substitutos de prisões regulares.
Ao lado da discussão sobre as rebeliões, reabre-se a da necessidade de penas mais severas, o que também se vê -em circunstâncias semelhantes- nos países do Primeiro Mundo.
Sob esse aspecto repito mais uma vez: as regras constitucionais relativas à criminalidade devem ser meditadas, em termos jurídicos, sob a convicção de que a realização da justiça não está em leis mais duras ou mais numerosas.
O excesso legislativo e o agravamento penal desestabilizam o direito e levam a justiça oficial ao descrédito.
Falta, isso sim, estabelecer pelo menos a forte possibilidade de que a conduta proibida receberá, em curto prazo, a punição prevista em lei. Novas definições legais da delinquência serão inúteis se o Estado não for capaz de aplicá-las. Ou se as aplicar com insuficiências tão grandes que imponham a crença geral na impunidade.
Voltando às rebeliões, não se pode esquecer o desrespeito da lei pelo mecanismo estatal. A incompetência, a proteção política e a corrupção constituem alguns dos fatores que criaram a falta de acomodação minimamente digna para isolar os criminosos. Quando os presos são tratados pelo Estado como animais, reagem proporcionalmente, sem benefício para os cidadãos cumpridores de seus deveres.
Também não se pode esquecer que a Constituição de 1988 estabeleceu garantias para o preso incompatíveis com a realidade. Há um mal autônomo na evidente impossibilidade de transpor os ideais do texto constitucional para os níveis da possibilidade administrativa.
Faltaram pés no chão para o constituinte de 88. Serve de exemplo o inciso 48 do artigo 5º, para o qual a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. Ou o inciso 49, que assegura o respeito à integridade física e moral do preso. Como assegurar integridade física e moral a detentos mantidos em celas feitas para um décimo de sua efetiva ocupação?
Nem tudo é irreal na Carta de 88 quanto ao direito penal. Há garantias inafastáveis. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre são comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso, ou a pessoa por ele indicada (inciso 42), sendo o detido informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. A assistência por advogado é garantida, a ser assegurado pela autoridade se o preso não o tiver.
Por último, mas tão importante quanto as demais lembranças suscitadas, é preciso não esquecer, que os presos têm obrigações sérias, a serem impostas pela autoridade, com o rigor próprio decorrente da vida que adotaram. Obrigações e disciplina imprescindíveis em todos os grupamentos humanos, mas de modo especial quando se trate de condenados.
É fácil teorizar à distância sobre o equilíbrio na dosagem de energia para exigir disciplina e impor obrigações, mas é difícil avaliá-lo no calor dos fatos gerados por seu desrespeito, como se viu em Hortolândia.
Quando o detento faz reféns e ameaça matá-los (ou mata) assume todos os riscos consequentes. Para impedí-lo de cumprir as ameaças ou de cometer novos crimes, o dilema sobre a força da ação repressiva deve ser decidido em favor das possíveis vítimas.
O preceito antigo ``in dubio pro reo" (o réu é favorecido, na dúvida) é substituído pela garantia do ameaçado, em cujo favor o interesse social prepondera. Até para o exercício da violência oficial.

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