São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995
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Torres e Montenegro voltam a atuar juntos

RONI LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

O casal Fernando Torres e Fernanda Montenegro comemora 45 anos de vida em comum e profissional estrelando a peça ``Dias Felizes", do irlandês Samuel Beckett (1906-1986).
Com direção de Jacqueline Laurence, a peça estréia no Teatro Villa-Lobos, em Copacabana (zona sul), em 28 de junho, marcando a volta aos palcos de Torres, após nove anos de ausência.
Já encenada pela própria Montenegro em 1970, ``Dias Felizes" mostra uma cena insólita, característica do teatro do absurdo de Beckett: a atriz aparece enterrada até o pescoço em um deserto, desfiando os encontros e desencontros da vida. A seguir, trechos da entrevista do casal à Folha.

Folha - Por que a decisão de montar essa peça?
Fernanda Montenegro - Tive vontade de retomar esse texto a partir do momento em que o Fernando volta a pisar no palco. São 65 anos de vida, 50 de vida pública. Eu e ele estamos fazendo 45 anos de vida profissional em um palco. É um espetáculo feito por um par que está junto há 45 anos.
Na verdade, sempre faço os textos, sempre aceito meus papéis muito mais pelo emocional do que por outra coisa. Foi por aí: vamos dizer que foi pelo emocional.
Folha - Você passa a peça enterrada, na verdade sentada em uma cadeira. É difícil interpretar assim?
Montenegro - É difícil, exige uma disciplina muito grande. Mas a gente tem que ter o corpo em disponibilidade para essas necessidades cênicas. Você tem que ter um adestramento físico que sirva a sua profissão.
Folha - Fernando, como é voltar ao palco com sua mulher?
Fernando Torres - É muito mais fácil, porque ela é uma grande atriz. Então ela transforma o palco em uma coisa fácil. Voltar nessa peça foi como se eu tivesse parado ontem e, de repente, tivesse um espetáculo hoje.
Folha - Fernanda, é viável manter hoje uma companhia teatral, nos moldes da sua antiga companhia, o Teatro dos Sete?
Montenegro - Não. Nesse período (anos 50 e 60) o dinheiro no Brasil ainda era barato. Então você podia ter um sonho e se endividar em um banco com esse sonho, pagando com a bilheteria do espetáculo. O preço do teatro é aviltadíssimo. Nada foi tão defasado quanto o preço do teatro nesses anos.
Folha - Você acha que caiu a qualidade do teatro brasileiro?
Montenegro - Não sou saudosista, não vivo com o pé no passado, pensando que antigamente era bom e maravilhoso. Acho que hoje, nessas circunstâncias, nós somos heróis. Há produções, como naquele tempo ou antes, de primeiríssima qualidade. Como há muita porcaria, como antigamente.
Folha - Você nunca sentiu vontade de dirigir?
Montenegro - Sinto muita vontade de dirigir, mas não tanto um espetáculo. Às vezes sinto vontade de dirigir um texto dramático, assim despojadamente. Sonho com algo pequeno, camerístico.
Folha - É muito difícil para um ator envelhecer no Brasil?
Montenegro - Envelhecer é difícil pra todo mundo, em qualquer lugar. Não é fácil envelhecer, mas não tem outro jeito. A vida é assim mesmo, vai engolindo você como essa personagem aí do Beckett.
E você tem que conviver com os anos, com as juntas endurecendo. Com plástica ou sem plástica, com vitaminas ou sem vitaminas, tem uma hora que você vai mesmo. Como dizia a Nair de Teffé, o tempo é um canalha.

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