São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995
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O homem no Novo Mundo

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

É geral entre os arqueólogos a noção de que o povoamento do continente americano ocorreu bem no fim do Pleistoceno -o período que, com o Holoceno ou Atual, constitui a era Quaternária, o topo da coluna geológica.
O assentamento é marcado por sítios arqueológicos bem delimitados e conservados, "aceitos pelos especialistas.
Na América do Norte, domina o chamado horizonte Clovis, de 11.200 anos. Na América do Sul, existem vários sítios contemporâneos.
Diversos deles podem ser mais antigos, como o de Monte Verde, no Chile, com mais de 12.500 anos, extraordinariamente bem preservado e com rico material arqueológico.
Niède Guidon e colaboradores, no Brasil, escavaram durante mais de dez anos, a partir de 1978, o sítio da Toca do Boqueirão da pedra Furada, localizado na caatinga do Piauí e com datações que vão de mais de 48 mil anos a 14.300, até agora o mais antigo sítio arqueológico do Novo Mundo.
Seus descobridores defendem a presença do homem nessa formação, onde teria deixado sinais de sua atividade.
A idéia é aceita por uns e contestada por outros, havendo manifestações publicadas por ambos os lados, geralmente em notas esparsas, salvo a contribuição monográfica de F. Parenti, tese apresentada em 1993 à Ecole Des Hautes Etudes en Sciences Sociales.
O sítio fica na reentrância de grande abrigo de rocha de arenito, de 70 metros de comprimento por 18, no máximo, de profundidade, e encerra grande quantidade de depósitos (cerca de cinco metros). Nele se distinguem duas fases culturais bem definidas, Pedra Furada e Serra Talhada, mais recente.
Pedra Furada é caracterizada pelos detritos de manufatura de artefatos e instrumentos simples feitos de quartzo e quartzito de ocorrência local.
Não tem havido muito debate sobre atividades nesse período, excetuada a observação de Guidon de que o sítio era local temporário para pintura e retoque de rochas e para cozer e comer o alimento.
Em vista das divergências quanto à presença humana em Pedra Furada e quanto à apresentação do sítio e seus objetos, realizou-se em dezembro de 1993 uma reunião internacional em São Raimundo Nonato.
É desejo de Guidon, várias vezes manifestado, que os trabalhos para conhecimento e aceitação do sítio se façam com frequentes reuniões e acompanhamentos de especialistas.
Para o encontro de São Raimundo, foram convidados três renomados arqueólogos norte-americanos, David J. Melzer, James M. Adovasio e Tom D. Dillehey, que publicaram suas observações em "Antiquity (68, 695, 1994).
Em seu trabalho, esses especialistas contestam a ocupação humana de Pedra Furada e tecem várias críticas construtivas (sua declarada intenção) ao trabalho do Piauí, cujo grande valor reconhecem.
Eles apresentam várias observações sobre os aspectos gerais, geológicos e estratigráficos do sítio e de seu teor -objetos, artefatos (ou geofatos?), estruturas, blocos de carvão vegetal- e fazem diversas recomendações sobre esses pormenores e sua interpretação.
O que importa, nesses trabalhos, não é a "corrida para a aceitação dos sítios ou para demonstrar que os primeiros americanos chegaram numa época ou noutra, mas a reconstrução, por meio dos sítios reconhecidos, dos caminhos trilhados pelos povoadores.
Nesse sentido devem ser entendidas as críticas formuladas -e tanto melhores quanto mais minuciosas.
Cada sítio aceito representa um marco nessa caminhada que procuramos descobrir e interpretar.

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