São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 1995
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Quem gosta de música é metido a besta e elitista

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quem gosta de música é, por definição, metido a besta. Não quem gosta de qualquer coisa, ou do que está fazendo sucesso no momento. Quem gosta de música mesmo.
Quem gosta de música mesmo faz questão de se diferenciar de quem vive correndo atrás do hit da hora. Esse elitismo, até justificado, tem vários estágios. O primeiro é conhecer todos os integrantes de todas as fases de tal banda. Outro é colecionar os discos. Comprar os piratas. Saber quais são os lados B. E por aí afora.
O problema é se, em algum momento, a banda estoura. O fã não sabe se fica feliz ou furioso: todos aqueles babacas que amam o hit do momento agora estão gostando da banda que ele descobriu antes de todo mundo.
A reação normal é concluir que antigamente eles eram mais legais. Agora estão muito comerciais, pouco criativos, vivendo das glórias do passado. Se confunde popularidade com ser comercial.
O caso do Pink Floyd vai bem mais longe. Todos os entendidos em rock garantem que a banda está morta há anos. Entre os entendidos, a maioria considera Pink Floyd sem Roger Waters uma heresia.
Os mais radicais já dispensam tudo que veio depois do primeiro disco. Acham que tudo é bobagem (a velha questão Syd Barrett versus Roger Waters versus Dave Gilmour).
Então, o que leva um monte de gente a pagar R$ 50,00 pelo CD ao vivo da banda, "Pulsar?
A questão fundamental é, perdão pelo palavrão, sociológica.
Basicamente, os malucos envelheceram. Todo mundo que fumava maconha nos anos 60/70 agora está com os filhos adolescentes - ou até, já tem netos.
Mas pensei mais um pouco e, quer saber, talvez o Pink Floyd atual seja melhor (ou, pelo menos, mais adequado aos tempos modernos) que o antigo.
O Pink Floyd foi a primeira banda a fazer, já nos 80, a transição que o cinema fez nos anos 70 - a saber, da obra autoral para o espetáculo pelo espetáculo, o que um cara poderia chamar da era "Lucas-Spielberg do cinema.
Em algum lugar entre a quebra das regras dos 60 e os hipermaterialistas (e muito divertidos) 80 todo mundo achou que era artista e que tinha algo a dizer, e disse.
Logo ficou claro que quase tudo que os liberados da época tinham para dizer era besteira, como pode se comprovar pelo monte de chatérrimos filmes "de autor e bandas de art-rock que dominaram a cena na época.
Essa viajação toda não foi enterrada pelo punk, foi enterrada pela espetacularização, superprodução e supercomercialização dos produtos de mídia. Marketing integrado: veja o filme, compre o disco, leia o livro, jogue o game, vista a camisa e colecione os cards.
Quem adicionou "vá ao show a essa equação foi o Pink Floyd, já sob o comando de Dave Gilmour, na "volta da banda. Artistas mais novos seguiram a mesma trilha - vide Madonna e U2. Sem falar nos Lollapaloozas da vida, que usam o mesmo conceito com outra missão e sob vinil "alternativo (nos 90, nada mais comercial do que ser alternativo).
Quer dizer: vivemos em 1995. E em 1995, o novo Pink Floyd faz mais sentido que qualquer um dos velhos Pink Floyd. É bom? É ruim? Não vem ao caso. O novo Pink Floyd faz sentido para os hippies velhos ouvirem em seus CD players importados tomando scotch, enquanto se preocupam com o filho que está fumando maconha - e ouvindo Pink Floyd. Provavelmente os discos antigos, só para amolar o pai...

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