São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 1995 |
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Sherman faz rir do que é aterrorizante
DANIEL PIZA
Fotógrafa: Cindy Sherman Onde: MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo, Parque do Ibirapuera, s/n, portão Três, tel. (011) 549-9688 Quando: abertura amanhã, às 20h, para convidados; para o público, de 28 de junho a 30 de julho A partir de amanhã o Museu de Arte Moderna de São Paulo expõe ``The Self Which Is Not One" (O Eu que Não É um Só), de uma das mais badaladas artistas americanas: a fotógrafa Cindy Sherman. Com um trabalho repleto de teoria feminista e esteticismo irônico, Sherman, 41, divide opiniões. Uns a consideram mais um pós-modernista, que sustenta sua arte em referências à história da própria arte. Outros acham que ela consegue fugir do maneirismo que marca a fotografia atual, sem cair no retratismo convencional. Em entrevista por fax à Folha, Sherman, que vive em Nova York, fala sobre seu trabalho. Sherman - Por um lado, eu deixo a artificialidade aparecer no meu trabalho porque eu tenho senso de humor e não levo nem meu trabalho nem a mim mesma muito a sério. Por outro lado, eu vejo meu trabalho funcionando como um conto de fadas ou um passeio de montanha russa ou uma sessão de filme de terror: você pode sentir a excitação que vem do terror com segurança. Sendo capaz de rir de coisas que de outra maneira seriam (se verdadeiras) verdadeiramente aterrorizantes, nós podemos aplacar nossa curiosidade disfarçada quanto a imagens perturbadoras. Folha - Por que você só faz auto-retratos? Não gosta de usar modelos? Sherman - Eu me uso como modelo -mas as fotos não são auto-retratos. Já usei modelos: profissionais, amigos, familiares, mas os resultados eram muito racionais. Outras pessoas tendem a achar que participam de um jogo: ``Que divertido!"; ``Olha que esquisito"! Ou então elas fazem muita pose. Eu nunca sei direito o que esperar dos meus resultados. É sempre intuitivo e, por isso, mais difícil de passar isso para um modelo. É simplesmente mais fácil, rápido e melhor para mim trabalhar totalmente sozinha, quando eu posso trabalhar minha sensibilidade sem pontaria, brincando para conseguir algo que eu jamais poderia ter previsto. Folha - Há uma controvérsia agora nos EUA sobre a biografia recém-lançada de Robert Mapplethorpe, que alguns acusam de ter fotografado celebridades apenas para ganhar dinheiro e fama. O que você acha? Sherman - Tenho certeza que Mapplethorpe ganhou fama e dinheiro com suas fotos de celebridades. Mas eu nunca soube que isso tinha levantado uma polêmica. Mapplethorpe era um incrivelmente talentoso fotógrafo de fotógrafos, a quem eu sempre desejei que fosse mais respeitado como artista. Folha - Onde se dá, na fotografia em geral e na sua arte em particular, a distinção entre arte e denúncia, entre estética e ideologia? Muitas pessoas consideram sua fotografia um manifesto feminista. Sherman - A arte não deve nunca ser didática -esse é o problema com a maioria da ``arte política"- martelando sua mensagem na sua cabeça, pregado para os que já foram convertidos. Eu acredito em subversão -fazer arte que pode ser apreciada em um nível enquanto sua mensagem vai sendo gradualmente revelada em outro, possivelmente fazendo com que o espectador reconsidere seus preconceitos. Folha - Qual sua opinião sobre a chamada ``arte desagradável", de ingleses como Marc Quinn e Damien Hirst, que expôs na Bienal de Veneza de 1993 uma carcaça de vitela? Sherman - Acho que eles estão tentando ser desagradáveis, com muito esforço -o que não deve ser muito difícil na Inglaterra. Folha - Há fotos suas em exposição numa seção da atual Bienal de Veneza chamada ``O Corpo Real e Virtual". O que você entende por ``corpo virtual"? Seria uma tradução da idéia de que só conhecemos nosso corpo de maneira indireta? Você acredita nessa idéia? Cindy Sherman - Não tendo visto a exposição em Veneza, fica difícil entender a expressão ``corpo virtual" -seria talvez a ilusão, o conceito da nossa percepçÃo sobre nós mesmos? Eu não acho que autoconhecimento é uma ilusão, a não ser que alguém tenha se iludido com um entendimento de si mesmo que não exista ou seja uma mentira. Folha - O artista Marcel Duchamp (1887-1968) dizia, nos anos 20, que ``a função da arte é chocar". Depois de mais de 70 anos de arte para chocar, ainda resta o que fazer? O nosso corpo é a última fonte de choque? Qual sua opinião sobre ``The Morgue", de Serrano, que amplia feridas, também presente na última Bienal de Veneza? Sherman - Arte chocante precede até mesmo Picasso. Eu acho que todos artistas querem se desafiar e expandir seus limites. Eu não tenho idéia de quais os limites das possibilidades de conseguir ainda chocar -morrer? Eu gosto da série ``The Morgue" de Serrano, embora eu não fique chocada de olhar para elas. Visualmente, elas são fascinantes, mas o choque vem da percepção de que, fora da imagem que você está vendo, essas pessoas estão realmente mortas. LEIA MAIS sobre a Bienal de Veneza à pág. E-8 Texto Anterior: Música perde Arturo Benedetti Michelangeli, seu maior pianista Próximo Texto: Peça gay de Ulysses Cruz estréia dia 6 Índice |
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