São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 1995
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O eclipse do trabalho

FLORESTAN FERNANDES

Os estudiosos mais argutos das transformações recentes do capitalismo apontam a tecnologia e a administração como elementos centrais do desnivelamento da força de trabalho na produção. A intensificação da acumulação de capital passaria, hoje, pelas invenções tecnológicas e técnicas administrativas ligadas às estruturas em expansão econômica, à automatização e robotização.
Essa descoberta não é novidade. Quando assinalava a importância específica do excedente expropriado do trabalhador pelo capital, Marx falava com precisão de ``acumulação originária". Por sua vez, o significado do ``intervalo técnico", como variável, foi enfatizado por A. Comte. Coube a Marx ainda o papel do único grande pensador de seu tempo que dedicou à técnica análises empíricas e teóricas rigorosas.
O trabalho não desapareceu. Evoluiu e sofreu alterações nascidas da civilização capitalista como um todo. Sem o homem -isto é, sem o trabalhador- não há produção e sem esta, em constante desenvolvimento, não existe civilização. Automatiza-se a produção. Mas anula-se o elemento humano? Ou se quer chegar ao ideal do fascismo e do nazismo de robotizar o ser humano e todas as qualidades da pessoa?
É urgente enfatizar que o que está em jogo é a crise do capitalismo. O que resultará desse complexo processo histórico? Continuidade ou mudança substancial da civilização que engendrou o capital, a burguesia e o Estado representativo? Já ficou patente que essa civilização, ao atingir seu apogeu e o clímax de suas potencialidades, representa uma encarnação de Behemoth, a vitória do homem lobo de outro homem.
Encontramo-nos em um ciclo final, não em um ponto de partida, embora fim e começo apareçam entrelaçados. Essa vem a ser a reflexão que deve guiar o horizonte intelectual dos trabalhadores e sindicalistas brasileiros. Oprimidos e marginalizados dos centros de decisão e poder, compete-lhes lutar com ardor para impedir que a civilização capitalista dos trópicos se reproduza indefinidamente como o malho que esmaga a cabeça dos pobres.
O embate sindical não pode restringir-se aos salários ou à rotina superada de um rol de ``causas populares" sobrepostas à conquista de melhores níveis de renda. Impõe-se o confronto redefinido por seu alcance para a classe social e a constituição de uma sociedade realmente democrática. Os empresários agem nessa esfera, em função de seus interesses setoriais, de classe ou de poder.
Liberdade, igualdade, democracia, cidadania ou solução da ``questão social" são objetivos essenciais que devem provocar greves e tensão nos movimentos sindicais. Do contrário, trabalhadores e sindicatos não terão como intervir na reforma da ordem e, muito menos, em embates voltados para a subversão do statu quo. Até o presente, as classes burguesas dominaram as transformações da sociedade e da civilização. Agora, os trabalhadores, com apoio em grupos aliados, precisam recriar o mundo a sua imagem. Ou ceder à barbarização sem precedentes de sua existência social!

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