São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 1995
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Só desindexar não basta

O governo prepara-se para enfrentar, com a medida provisória da desindexação, mais um desafio crucial do processo de estabilização. A MP, prevista para amanhã, visa a desfazer o complexo mecanismo que permitiu ao país conviver longos anos com uma inflação indecente sem desestruturar completamente sua economia, mas que engessou as taxas inflacionárias, dificultando muito sua redução. Algo como um remédio que permite a sobrevivência do doente, mas impede o combate à moléstia.
Os pontos que têm vindo a público sobre a estratégia do governo para desenraizar essa prática arraigada na cultura econômica do país tocam em pontos importantes, embora seja de esperar que suscitem razoável polêmica seja no plano trabalhista, seja na esfera jurídica.
No que diz respeito aos salários, o Planalto parece felizmente disposto a adotar a livre negociação entre empresários e trabalhadores. É também apropriada a tese de assegurar a reposição do resíduo do IPC-r, de modo que todos os trabalhadores alcancem no novo sistema uma igualdade de condições. A exceção que o governo vem anunciando, de preservar o valor do salário mínimo, justifica-se à medida que essa remuneração tem por objetivo garantir a própria sobrevivência dos trabalhadores.
Mas é preciso que a desindexação não se limite aos salários, que não raro acabaram pagando a conta maior de outras tentativas de estabilização. Nesse sentido, o governo considera desindexar várias áreas da economia, como aluguéis, seguros, contratos em geral e impostos -ainda que para estes se preveja fórmula mais gradual. O modelo para outros preços, porém, como mensalidades escolares e planos de saúde, continua indefinido.
Segundo afirmou ontem o ministro-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, deve-se avançar também na desindexação do setor financeiro, na direção saudável do alongamento das aplicações e do fim da moeda indexada representada pelos investimentos de liquidez diária. O processo será mais lento que noutras esferas, cautela que se explica pela complexidade e volatilidade que marca o setor financeiro. Seria mesmo assim um avanço, já que a preservação das condições atuais, face a uma desindexação das outras áreas, promoveria um perverso movimento de concentração de renda.
É preciso notar contudo que, numa relação circular, o sucesso da desindexação é ao mesmo tempo causa e consequência do controle da inflação. Sem uma economia desamarrada dos índices passados, não haverá estabilidade duradoura da moeda. Mas, sem uma inflação mais civilizada, dificilmente se evitará um retorno espontâneo, ainda que informal, da indexação.
Esse dilema aumenta ainda mais a importância e urgência das outras tarefas que cabem ao governo no esforço de estabilização, como garantir um equilíbrio confiável nas contas públicas. Desindexar é preciso, mas não basta.

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