São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Quem vai pagar as contas do Senai?

CLAUDIO DE MOURA CASTRO

Em plena efervescência da perestroika, o vice-ministro do Trabalho da Rússia comunicou-me que estava por resolver o problema do financiamento da formação profissional. Ia passar a conta para as empresas. Quem quisesse treinamento que pagasse. Perplexo, só me ocorreu dizer-lhe que seu êxito nessa política teria a vantagem adicional de trazer divisas de turismo para o país, na forma de uma grande peregrinação internacional para ver o único país onde essa política teria dado certo.
Fala-se hoje no Brasil em repetir o que a Rússia pensou em fazer, no seu entusiasmo de cristão-novo no capitalismo. Pode ser uma política maravilhosa. Contudo, se nenhum país industrial nem sequer tentou transferir a conta do treinamento industrial para pagamentos voluntários das empresas, é caso de pensar melhor.
Não deve ser por acaso ou burrice que todos os países da Europa usam recursos do contribuinte para pagar a formação profissional inicial. Na própria Alemanha, famosa por seu sistema de aprendizagem, os dois dias da semana que o aprendiz passa na escola são pagos pelo governo e os três restantes são dias de trabalho produtivo nas empresas (supervisionados por um ``meister"). No Japão, famoso pelo treinamento nas grandes empresas, 20% da matrícula secundária é em escolas técnicas (públicas) e as escolas privadas de formação profissional são financiadas com fundos também públicos.
Nos Estados Unidos, parte da formação profissional é oferecida nas ``high schools" públicas e gratuitas e uma outra parte nos ``community colleges", altamente subsidiados por impostos locais.
Os dragões asiáticos engolem vorazmente os recursos do tesouro com suas escolas profissionais. É bem verdade que cursos curtos de aperfeiçoamento e reciclagem podem ser pagos pelas indústrias interessadas. Igualmente, cursos para o setor de serviços são frequentemente financiados pelos próprios alunos, em geral de classe média. Mas, em todos os países com um mínimo de êxito industrial, a formação inicial para a indústria é paga com recursos públicos.
Por que será?
Há várias razões. A boa formação profissional é cara e longa, muito além do poder de compra de seus alunos típicos. E os graduados facilmente poderiam escapulir da empresa que a financiasse, pondo a perder os investimentos. Os empresários, coletivamente, estão dispostos a financiar treinamento, na forma de impostos ou encargos que resultam em benefícios coletivos. Mas, individualmente, o investimento não se justifica, pelo perigo de que o graduado vá para a empresa do concorrente.
Sabemos também que, embora a boa formação profissional traga benefícios quase imediatos, há igualmente os benefícios difusos resultantes de uma força de trabalho produtiva. De fato, quando os países da Comunidade Européia justificam gastar em formação profissional, a razão apresentada é a necessidade de criar uma ``cultura tecnológica".
Em um país sem raízes industriais, a formação profissional é uma das formas mais eficazes de transferir tecnologia. Na oficina, aprende-se o que os outros sabem. Se ninguém sabe regular um maçarico ou pegar em uma lima, com quem aprender? Em uma oficina medíocre, aprendem-se técnicas de trabalho lambonas, improdutivas ou atrasadas. Só com o transporte de uma semente de qualidade pode-se sair do círculo vicioso.
A boa formação profissional é o instrumento que permite transformar os perfis de produtividade de uma indústria. Mas o mundo não pára. Não basta mais segurar a lima corretamente. Agora é preciso dominar o teclado do painel do torno CNC.
O Brasil, de tão chochas realizações no campo educacional, conseguiu montar um sistema de formação profissional de Primeiro Mundo (Senai e Senac). Das duas dúzias de países cujo sistema de formação profissional conheço razoavelmente, Cingapura e Brasil são os únicos que atingem os níveis dos países industrializados tradicionais.
O que nos distingue dos países industrializados não é a qualidade do nosso sistema, mas a sua pequena cobertura quantitativa. Note-se que até países latino-americanos gastam mais com formação profissional do que o Brasil.
Estão em discussão propostas que levariam o Brasil a tentar uma aventura jamais ousada por qualquer país industrializado: deixar de financiar com recursos públicos a formação profissional.
Nada há de sagrado nos esquemas presentes de tributar a folha de pagamento e nem o Senai é perfeito. Pode-se pensar em outras soluções e o Senai precisa de uns puxões de orelha, de vez em quando. Mas o que não podemos fazer é matar a galinha dos ovos de ouro, privando o Senai dos recursos que permitiram a essa instituição viabilizar nosso parque industrial.

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