São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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o pensador

SÉRGIO DÁVILA

Emanuel Araújo, 54, espera que, até o dia 13 próximo, 150 mil pessoas, um recorde, visitem a exposição de esculturas do francês Auguste Rodin (1840-1917); que as doações dos visitantes totalizem os R$ 250 mil necessários para comprar a peça "Repouso do Gênio Eterno", de Rodin; e que os paulistanos descubram afinal a Pinacoteca do Estado, dirigida por ele há três anos e sede da exposição, o sucesso do ano. Baiano de Santo Amaro da Purificação (onde fez ginásio com Caetano Veloso), Araújo esculpe e pinta. Para ele, museu deve ser pensado como empresa, o Brasil é racista e Covas ainda vai se "sensibilizar com a cultura".

Depois de Rodin, o quê?
A programação de 1995 é extensa, porque comemora os 90 anos da Pinacoteca. Logo após o Rodin, entra a "Mostra O Sutiã. Então, teremos a obra gráfica do (pintor catalão Joan) Miró (1893-1983). Aí, a exposição dos 300 anos da morte do líder negro Zumbi dos Palmares.

Na sua opinião, Zumbi era gay?
Não tenho acompanhado a polêmica, mas a discussão não tem nenhuma importância. Afinal, um homem que viveu há mais de três séculos, o que interessa se teve mulher ou não, se era homossexual ou não? Zumbi representa a resistência num país que faz de conta que não tem preconceito racial, mas tem.

O sr. já sofreu preconceito?
Claro, apesar de não ser uma pessoa magoada. No Brasil, a prática do preconceito acontece a cada minuto. Só não vê quem não quer.

Dê um exemplo.
Aqui mesmo, na Pinacoteca, quando assumi a direção, há três anos, houve reações nítidas.

Foi difícil trazer a exposição de Rodin para a Pinacoteca?
Na verdade, não fomos atrás. O Jacques Vilain (diretor do Museu Rodin) nos escolheu. Como um profissional de cultura europeu, ele deve ter visto os limites dos outros museus e as vantagens do nosso.

Mas a localização do museu não é meio ingrata?
Esta exposição serve para ensinar ao paulistano que ele não pode desprezar nenhuma área da cidade. A avenida Tiradentes é antiga e fundamental para a história. E é tão violenta quanto a Paulista ou qualquer outra região urbana. Temos filas aqui de quatro horas e até hoje ninguém foi assaltado. Serve também para mudar um pensamento brasileiro. A gente elege uma coisa e fica a vida inteira naquilo. São Paulo tem lindos museus, não só um.

Algum problema com o Masp?
É um belo museu. Admirava o professor Bardi profundamente, me considero seu discípulo. Mas hoje o Masp está muito mudado, sua atividade pensada está mais reduzida.

Diz o "Aurélio" que pinacoteca é "museu de pintura", "coleção de quadros". Na sua definição, cabem esculturas, mesmo de Rodin?
Não há contra-senso nenhum, porque essa denominação é antiga. Mas eu me pergunto mesmo se não deveria mudar o nome da Pinacoteca.

E deveria?
Eu preferiria que se chamasse Museu de Belas Artes.

Por falar nisso, a Escola de Belas Artes, que funcionou aqui por 40 anos, devolveu o prédio em 1989 em péssimo estado, não?
Quando eu cheguei estava tudo destruído, com pichações... Tivemos que começar uma reforma.

E já acabou?
Não. Mas o ministro da Cultura acaba de nos dar uma verba suficiente para terminar (R$ 4 milhões).

A política cultural do governo Covas prejudicou a Pinacoteca de alguma maneira?
Prejudicou. Perdemos funcionários preciosos, porque eram do Baneser. E, como o Estado paulista está sem recursos, recorremos à ajuda do governo federal. Veja: é a primeira vez que um órgão cultural de São Paulo recebe um dinheiro substancial de Brasília. Historicamente, o governo sempre aplicou suas verbas de cultura no Rio!

O sr. acredita que o fato de FHC e Covas serem do mesmo partido tenha facillitado o repasse da verba inédita?
Não sei, sou a pessoa mais apartidária do mundo. Mas acho que é mais porque o ministro Francisco Weffort está atento à coisa cultural, destruída pelo Collor. E o presidente FHC é um homem de cultura. O governador Covas vai acabar se sensibilizando também por essa área.

Há diferenças entre Fleury e Covas?
Eu peguei o governo Fleury já no meio e o de Covas ainda está começando. Não dá para comparar.

Em 94, o sr. disse: "Todo museu brasileiro tem goteira!". Ainda é assim?
A Pinacoteca, espero que não mais. Temos agora dos telhados! (Risos) Mas se os museus no Brasil não forem pensados como empresa, não tiverem uma manutenção constante, vão continuar com goteira, sim.

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