São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Os médicos e a propaganda

HELCIO EMERICH

Centenas de empresas, laboratórios e fábricas de equipamentos anunciam para a classe médica. E os médicos, como deveriam se anunciar para os seus clientes? No caso do sistema brasileiro de saúde pública, com déficit crônico de hospitais, atendentes e serviços, não há porque pensar em propaganda, embora ministros, governadores e prefeitos adorem sacar dividendos políticos de ``eventos" como a simples entrega de uma ambulância a um posto do interior.
No setor privado, o quadro é diferente: consultórios, clínicas e laboratórios de análises têm público-alvo (clientes habituais, clientes de clínicas concorrentes, ex-clientes etc) com os quais precisam se comunicar para manter e desenvolver o seu ``negócio".
Não vai nessa afirmação nenhuma agressão aos códigos de ética da categoria, pois aí estão os convênios e seguros de saúde -que no fundo trabalham com o mesmo ``produto"- usando o marketing e promovendo agressivamente seus planos e serviços. Com pesados investimentos de verba e recorrendo a agências competentes e criativas, veiculam campanhas de bom nível (há exceções chatérrimas, é claro) mirando públicos de maior poder aquisitivo.
Já os médicos autônomos e as clínicas particulares preferem o recurso mais ``personalizado" da mala direta ou a publicação em jornais e revistas de anúncios tipo ``tijolinho". A idéia que transmitem está mais próxima da charlatanice do que do profissionalismo e da credibilidade.
Tenho conversado com vários médicos e diretores de clínicas sobre esse aspecto da sua atividade. Alguns sentem falta da assessoria de uma agência de propaganda, admitindo que não sabem o que fazer quando, de uma hora para outra, sua agenda de consultas fica com as páginas em branco. Temem, porém, que as campanhas ostensivas ou mais ousadas não sejam bem recebidas pelos seus clientes ou pelos colegas de profissão. Outros se preocupam com a perspectiva de perder futuros clientes por não conseguir explicar-lhes o problema de uma agenda temporariamente lotada.
Há, enfim, uma certa unanimidade quanto ao despreparo da classe médica para conduzir seu próprio marketing. Ela quer atrair novos ``consumidores", mas sem riscos para a sua reputação e sem quebra daquela aura de ``elegância" profissional que, por tradição hipocrática, deve envolver o seu relacionamento com o público.
O que a classe médica precisa entender é que, para a proteção do seu prestígio ou da sua credibilidade, há ações de relações públicas desenhadas exatamente para cumprir esse objetivo. Palestras e conferências em seminários ou para grupos comunitários e associações de classe, aulas especiais em escolas e faculdades, participação voluntária em comitês ou campanhas de saúde pública, debates e artigos na mídia, tudo isso configura um legítimo programa de imagem pessoal e profissional, espécie de guarda-chuva para as campanhas de natureza mais promocional.
Eventuais reações negativas à propaganda só acontecem quando ela é ruim, enganosa ou sem talento. E essa receita vale também para outras profissões liberais ou para qualquer prestador de serviços.

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