São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Uma obra de arte política

LUÍS NASSIF

O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, é mais popular que o plano que o elegeu. Faz lógica.
Muita imperícia foi cometida na condução da política econômica, particularmente na política cambial no ano passado, e na política monetária deste ano. Há dois projetos simultâneos de política industrial corroendo as entranhas do governo, os dois possivelmente equivocados. Até agora não se definiu um modelo moderno de investimento privado, nem políticas sociais adequadas.
Tudo isto não é suficiente para nublar a constatação de que o país caminha em direção às reformas, e que, felizmente, a coluna se equivocou sobre o fôlego e a vontade política do presidente da República -quando criticou acerbamente, no ano passado, o abandono das propostas de reformas pela campanha eleitoral.
Fernando Henrique Cardoso mostrou uma determinação e uma visão estratégica que lhe permitiram montar a maior obra de engenharia política do país, desde o acordo PSD-PTB que garantiu a governabilidade do governo JK.

Barganhas e projeto
O acordo que resultou na eleição de Tancredo era cimentado exclusivamente pela troca irrefreável de favores políticos. O de Itamar era um pacto de sobrevivência.
O pacto de FHC foi feito em cima das idéias das reformas e da modernização. Utiliza barganhas, ainda que de maneira mais moderada, mas (até agora) como instrumento para alcançar os objetivos propostos -as reformas. Seria farisaísmo julgar ser possível entrar na lama sem respingar.
Mas só não se deturpará o processo, transformando mais uma vez meios em fins, se a imprensa prosseguir firmemente na denúncia da politização do Estado.
A obra política fundamental foi ter conseguido recuperar a bandeira da modernização -desfraldada e, depois, comprometida pela arrogância política e pela corrupção do governo Collor- e articular amplos interesses em torno do tema.
O país volta a ter um rumo, em torno do qual todos os setores da vida nacional precisam obrigatoriamente se situar, seja oposição ou situação.
Os políticos conservadores, sentindo a inevitabilidade das mudanças, tratam de tomar assento no próximo trem.
Na esquerda, inicialmente resistente a qualquer mudança, começa a aumentar a influência dos setores modernizadores, em detrimento da burocracia -como ocorreu na recente eleição do diretório do PT de São Paulo.

Imprensa
O mais homogêneo apoio ao governo parte da imprensa, que passou a encarar o plano com o temor reverencial que os índios dedicavam a Caramuru. Na maior parte dos casos, não se entende a lógica do real nem se se dispõe de capacidade de analisar seus erros. Mas o apóia com a coesão de uma torcida organizada de futebol -ou de um linchamento público, como ocorreu com a recente greve dos petroleiros.
É um horror para quem julga ser possível atingir-se a modernidade e as reformas, sem abrir mão da racionalidade e do apoio crítico, e sem desconhecer as divergências, inerentes aos processos democráticos.
De qualquer modo, tem sido esse clima de ``ameo-o ou deixe-o`` que permitiu ao presidente da República manobrar a opinião pública naquela que foi a batalha decisiva de seu governo: a vitória sobre os petroleiros.
As análises futuras provavelmente registrarão o fim da greve como o dia em que o velho modelo getulista foi oficialmente enterrado. Abusou-se da crueldade, mas sem abrir-se mão dos instrumentos democráticos.

Modelo trabalhista
A nova legislação trabalhista vai dar muito trabalho no segundo semestre, porque, sendo um processo cultural, foi implantada de supetão -por culpa, principalmente, do ex-Ministro Walter Barelli. Depois de assimilada, contudo, proporcionará um avanço fundamental nas relações de trabalho do país. Por excesso de temas, a coluna voltará oportunamente ao assunto.

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