São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Seremos guardiões de túmulos

MIGUEL JORGE

Com a quebra dos monopólios estatais do petróleo e das telecomunicações, o que poderá dar um impulso meteórico às reformas estruturais, o Brasil iniciou um processo vital de busca de identidade para seu povo. Trata-se de definir que tipo de sociedade e de modelo econômico a nação escolherá num futuro próximo para responder ao desafio dos avanços tecnológicos, o mesmo desafio até mesmo dos grandes países industrializados.
Na semana passada, o Senado dos Estados Unidos aprovou projeto de lei que acaba com a reserva de mercado das companhias telefônicas e de TV a cabo e com os limites sobre o número de estações de rádio e de TV que uma mesma corporação pode ter. Foi ainda revogada lei de 1912, que proibia estrangeiros de operarem em telecomunicações no país, com uma condição: o país de origem da empresa interessada emprestar serviços precisa dar igual tratamento às empresas norte-americanas.
Com essa ampla desregulamentação, os norte-americanos terão maior gama de serviços a preços mais baixos, o que beneficiará a economia do país, estimulando a expansão de um setor que movimentou US$ 700 bilhões em 1994.
Essa notícia sobre a modernização espontânea da economia americana, quando a Câmara dos Deputados, em Brasília, prepara-se para encerrar o monopólio do petróleo, abrindo sua exploração ao setor privado, toma necessárias algumas inflexões. Em qualquer país, um processo de modernização não pode ser ambivalente, juntando-se estatais arcaicas -verdadeiros túmulos- a uma visão de futuro. Não pode também ser feito com base em conceitos e ideologias superadas, rejeitadas nos países mais avançados, como ocorreu agora, durante a recém-terminada (ou não?) paralisação dos petroleiros.
Não existe mais lugar para o confronto entre teorias utópicas do socialismo -reivindicadas pelo sindicalismo virulento, sob as formas mais bizarras- e a opção do crescimento econômico com pleno emprego. Movimentos políticos radicais, fomentados por sindicatos que cresceram na ceva do Estado, perdem terreno diariamente, devido ao desemprego estrutural, à globalização da economia, à criação de pequenas e micro-empresas e às parcerias entre empresas e empregados.
Se, no Brasil, as privatizações de empresas estatais ocorrem em clima de incompreensões, nos Estados Unidos acontece o contrário: por iniciativa do Senado americano, até mesmo as companhias de eletricidade já podem entrar na área das telecomunicações. Lá, num país construído segundo a cartilha liberal, os trabalhadores fazem cada dia menos greves, pois o sindicalismo de confronto liga-se a um modelo econômico incompatível com as transformações do mundo. Bastou, por exemplo, o Congresso brasileiro quebrar o monopólio estatal das telecomunicações, em duas votações, para o governo americano anunciar que 23 empresas americanas poderiam investir US$ 23 bilhões no Brasil.
É dentro desta perspectiva de internacionalização da economia que os setores sindicais, estatais e políticos adversários das reformas estruturais, precisam se posicionar, em vez de engrossar o coro burocrático e estatizante, marca das últimas greves no país. Crescimento econômico, aumento de emprego, maior atividade industrial e aumento da produtividade é o que realmente importa -``salvar o Brasil das garras do capital internacional" sempre foi só frase de efeito.
Nesse aspecto, o sindicalismo brasileiro tem um papel histórico a desempenhar no país, evidenciando inclusive sua maior representatividade na Câmara e no Senado, onde sobram empresários (161 nas duas casas) e faltam trabalhadores. A questão, portanto, quando tantos interesses estão em jogo -e em que o Congresso discute até a desindexação da economia- é se convencer de que só com mais investimentos, nacionais e estrangeiros, o Estado poderá atender aos desafios do presente.
Grandes investimentos estrangeiros já estiveram neste continente, sobretudo no Brasil. Muitas das principais experiências de crescimento econômico -como as do setor automobilístico- deram-se mais aqui que em qualquer região do Terceiro Mundo.
Mas isso aconteceu em períodos históricos nos quais os governos puderam substituir parte do setor privado ou quando puderam investir pesadamente na infra-estrutura industrial -petróleo, telecomunicações, energia elétrica etc. A referência à indústria automobilística é necessária porque é um setor paradigma da indústria brasileira, pois sinaliza desafios e riscos que o país precisará enfrentar mundialmente se as reformas não derrubarem privilégios corporativistas.
Esses desafios, que os grandes países industrializados, como os Estados Unidos, também estão encontrando, e vencendo, um a um, são velhos conhecidos dos brasileiros:
Nos próximos quatro anos, o setor elétrico exigirá investimentos da ordem de US$ 22,9 bilhões: pelo menos 30% disso precisará ser aplicado pelo setor privado nacional.
Para atrair mais investimentos estrangeiros em 1996, o Brasil precisará acelerar as reformas tributária e fiscal e da Previdência Social, além de modernizar os portos e saneá-los da corrupção e da fraude.
A eliminação das restrições ao capital estrangeiro, apenas iniciada com a quebra dos monopólios, contribuirá para o ingresso de mais investimentos na economia brasileira.
Precisamos, como brasileiros, ter a consciência e, mais que isso, a certeza de que também seremos capazes de nos tornarmos uma nação moderna, competitiva e justa.

Texto Anterior: Sem fazer média; Precedente infeliz; Proposta de casamento; Plano diretor; Tarifa econômica; Início da reversão; Médio prazo; Sem reciprocidade
Próximo Texto: Governo poderá baixar a taxa de juro
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.