São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
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Portugal cria rap suave com influência brasileira

JAIR RATTNER
DE LISBOA

O rap português surgiu menos agressivo do que em outros países. Com dezenas de grupos formados nos últimos meses, a nova poesia negra de Portugal procura ser mais ``soft" do que a praticada pelos rappers de outros países.
E não limita suas influências apenas ao rap norte-americano. Os brasileiros Gabriel, o Pensador e Racionais MC's estão entre as preferências dos rappers portugueses.
``Cada país tem que arranjar o seu estilo de interpretar a música", afirma Guto, um estudante de direito de 23 anos, líder do Black Company, o mais antigo conjunto de rap do país.
Segundo Guto, que também usa o nome musical de Bantu, o rap português é mais ``soft" porque o racismo e a discriminação racial em Portugal são mais atenuados do que nos Estados Unidos.

Não sabe nadar
O grande êxito do Black Company foi a música ``Nadar", que surgiu de uma diversão do grupo e não tem nenhuma referência violenta nem palavrões.
``Foi uma brincadeira do grupo, e era a nossa primeira música em português", diz Guto.
``O refrão `não sabe nadar' entra no ouvido de uma forma extremamente fácil, e até meu filho de 4 anos vira para as pessoas e diz que não sabe nadar", afirma o jornalista Antônio Saraiva, do semanário de música ``Blitz".
A expressão ``não sabe nadar" ultrapassou o rap e entrou na política. Primeiro, foram os defensores do patrimônio histórico, que, para proteger gravuras rupestres ameaçadas de ficarem submergidas com a inauguração de uma hidrelétrica, lançaram a campanha ``as gravuras não sabem nadar".
Depois, foi o próprio chanceler português, num comício partidário, que acusou a oposição de não saber nadar.

Asneira
A linguagem do rap português tem menos palavrões que no exterior. O Jamal, o primeiro grupo feminino de rap português, usa palavrões em inglês.
``Nós até falamos uma asneira (palavrão em Portugal) em português", conta X-Sista, 19.
Formado por quatro mulheres dos 17 aos 19 anos, o Jamal é resultado da influência da cantora de rap Queen Latifah.
``Tentamos levar ao público a versão feminina do rap", conta SweeTalk, 19.
Depois de conseguirem que uma música do Jamal fosse tocada numa rádio portuguesa, surgiram vários grupos só de mulheres.
Elas acusam os ``rappers homens" de discriminação. No primeiro concerto que fizeram, com outros 14 grupos de rap, só puderam fazer o ensaio de som durante dois minutos e, quando estavam no palco, as luzes foram cortadas três vezes.
Uma das grandes marcas do rap português é a baixa idade dos músicos. Um dos novos sucessos é Funky D, um rapper de 17 anos nascido em Angola e que está há apenas três anos em Portugal.
``Eu estava aqui de férias quando recomeçou a guerra em Angola, e minha mãe decidiu que era melhor eu ficar em Portugal", conta Funky D.
Com uma música mais melódica do que os rappers tradicionais, Funky D afirma que em Angola não seria rapper. ``Se estivesse em Angola faria música africana, lá eu ouvia outra música".
Para o produtor de Funky D, Hernani Miguel, a música do rapper é mais próxima das raízes angolanas do que a música dos outros grupos.

Brasil
Além dos clássicos norte-americanos, o rap português tem grande influência brasileira.
``Nós veneramos o Gabriel, o Pensador. Ele abriu os olhos e viu", conta SweeTalk. Funky D coloca Gabriel o Pensador ao lado de Public Enemy e Arrested Development. Guto, do Black Company, prefere o Racionais MC's.

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