São Paulo, sexta-feira, 7 de julho de 1995
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O mito da infalibilidade

LUÍS NASSIF

O pior mal que pode acometer o jornalismo é o mito da infalibilidade. O exercício diário do julgamento deixa todo jornalista suscetível a erros de avaliação. Mais do que prova de grandeza, a autocrítica é sinal de responsabilidade profissional perante os fatos. É a única garantia de que erros cometidos poderão ser consertados, de que males infringidos a terceiros serão reparados e de que avaliações deturpadas não se tornarão irreversíveis.
Saber reconhecer erros não é apenas prova de caráter. É o momento em que o jornalista se despe do orgulho e presta sua reverência ao seu deus maior: o compromisso com os fatos, impedindo que a vaidade sobrepuje o profissionalismo ou que o poder que tem nas mãos seja utilizado sem discernimento.
Quando o jornalista é afetado pelo mito da infalibilidade, o jornalismo dançou. Vale a primeira versão. Todos os fatos e evidências que se contraponham a ela, mesmo que fundamentais, serão ignorados. Todos os detalhes que a reforcem, mesmo insignificantes, serão realçados. Passa-se a levantar seletivamente informações e a reprisar diariamente a mesma tese, afim de que, pela força da repetição, ela se torne verdade. E entra-se irreversivelmente no terreno pantanoso da manipulação.
Esse espírito está por trás do massacre da Escola de Base e dos grandes linchamentos morais cometidos nos últimos anos, que acabaram projetando duas imagens contraditórias da imprensa. Uma delas, a da imprensa comprometida com a modernização, com o primado da cidadania, com o controle do Estado e com a busca da verdade. A outra, a da imprensa arrogante, manipuladora e personalista.
Na maior parte dos fatos, de conhecimento restrito, é muito difícil ao leitor distinguir uma da outra. Só fica claro em cima de fatos públicos e notórios.
Aí é possível entender claramente a outra face da imprensa.

Prevenção
Com o intertítulo acima, a coluna publicou a seguinte nota no dia 30 de junho passado: ``Se o leitor ler que o aumento do índice de consultas ao telecheque da Associação Comercial de São Paulo é prova de que a economia vai bem, sinta-se vítima de mais uma manipulação. Os índices mostram apenas que os comerciantes estão mais cautelosos (portanto, consultando mais o telecheque) e vendendo mais à vista e menos financiado, devido à crise de inadimplência. Apenas isso".
Seis dias depois, pimba! Os indicadores são apresentados como prova de que a crise não existe.

Fazendo média
Imagine uma empresa que vendeu US$ 10 milhões por mês de janeiro a abril. E que em maio e junho, com a mudança do panorama econômico, conseguiu vender apenas US$ 3 milhões mensais. Daqui por diante, qual o valor que vai servir de parâmetro para suas vendas? Os resultados que passou a obter depois que houve a mudança do cenário econômico. Não parece óbvio?
Então porque continua-se insistindo em apresentar dados do semestre como prova de que tudo vai bem?

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