São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Meninas grávidas trabalham até 11 horas

GEORGE ALONSO
ENVIADO ESPECIAL A NOVO HAMBURGO (RS)

Fátima Alves, 15, grávida de sete meses, sem proteção, passa cola em sapatos na linha de montagem do ateliê. O ambiente é sujo, escuro, barulhento e malventilado. São 16h. Ela entrou no serviço às 7h. A hora vale R$ 0,60. Fátima trabalha de pé, todos os dias, por até 11 horas.
Como ela, outras milhares de crianças e adolescentes estão sendo submetidas a condições de trabalho semelhantes no maior pólo produtor de sapatos do país, o Vale dos Sinos, região que fica 40 km ao norte de Porto Alegre (RS).
Hoje, 30% da mão-de-obra (direta e indireta) da indústria de calçados gaúcha é composta de crianças e adolescentes, segundo estimativa dos sindicatos de trabalhadores e da própria Delegacia Regional do Trabalho (DRT-RS).
Na indústria calçadista gaúcha, trabalham atualmente cerca de 110 mil pessoas (só no emprego direto). Ou seja, 33 mil são jovens de até 18 anos (60% são meninas).
Esses números não englobam o emprego indireto, as centenas de ateliês contratados pelas grandes empresas para produzir parte dos calçados. É nos ateliês que acontece, em maior grau, a exploração do trabalho infantil.
Sob o olhar grave e desconfiado do responsável pelo ritmo da produção, Fátima Alves fica intimidada. ``É, eu trabalho o tempo inteiro de pé. Cansa. Quando eu chego em casa, sinto um alívio", diz rapidamente a menina.
Naquele ateliê de Sapiranga (a 48 km da capital gaúcha), chamado de Rosângela de Oliveira (ex-Portão), trabalham outras 58 pessoas. A maioria é adolescente. O salário gira em torno de R$ 120.
Companheiro de trabalho de Fátima, Fábio Garcia, 13, executa o mesmo serviço, lidando com as mesmos produtos químicos. Não tem carteira assinada. A Constituição proíbe qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz.
O Estatuto da Criança e do Adolescente exige garantia de acesso e frequência obrigatória à escola. Pesquisa feita pela DRT-RS revela que 51,3% dos adolescentes que trabalham no setor estão expostos a ruído superior a 85 decibéis, 40,4% estão em contato com produtos químicos sem qualquer controle, 86,5% trabalham de pé, 80,5% têm jornada de trabalho superior a oito horas e 75,9% não estudam.
A Associação Brasileira da Indústrias de Calçados (Abicalçados) rebate e cobra ação da DRT. ``O trabalho infantil só ocorre nos famigerados ateliês, e cabe às autoridades punir. A indústria estruturada não pode pagar pelos erros dos ateliês", diz Heitor Klein, 49, diretor-executivo da entidade.
As grandes empresas contratam os ateliês para fazer solados e costura. Reduzem custos e aumentam a capacidade produtiva. Os ateliês, galpões de fundo de quintal, não obedecem a qualquer norma. E as famílias, com renda sempre inferior a cinco salários, colocam os filhos para trabalhar.
``Não é certo empregar crianças, mas há muita hipocrisia. É melhor uma criança trabalhando ou cheirando cola na rua e roubando?", indaga Ivânio Batista, 51, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Calçados de Franca (SP), que tanto sofre os efeitos da crise do setor como repete as irregularidades da indústria gaúcha.
A fiscalização da DRT é feita, mas, as empresas reincidem. ``Se não houver disposição de todos, é impossível mudarmos esse quadro", afirma Luiz Alfredo Scienza, 36, agente de inspeção.

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