São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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SBPC `paga para ver' promessas do governo

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sérgio Ferreira, 60, que assume a presidência da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) durante a reunião anual da entidade, que começa hoje, em São Luís (MA), é um cientista. Pode parecer óbvio que ele o seja, mas a SBPC nem sempre teve presidentes mais conhecidos pela sua contribuição à ciência do que à política.
Ferreira, ao contrário, é um cientista de reputação internacional inconteste. Ele até virou nome de prêmio -o ``Prêmio Ferreira", outorgado pela Sociedade de Hipertensão Norueguesa desde 1990 para pesquisadores cujos trabalhos tenham relevância na área de hipertensão.
Ele tem mais de 150 publicações em revistas científicas internacionais. Está entre os mais citados cientistas brasileiros no exterior. Professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, Ferreira trabalha no desenvolvimento de medicamentos analgésicos e antiinflamatórios. Foi discípulo de Maurício Rocha e Silva, descobridor da substância bradicinina, um dos maiores cientistas brasileiros de todos os tempos.
Apesar do currículo, Ferreira tem seu lado político. Presidiu entidades científicas como a Federação de Sociedades de Biologia Experimental. Na SBPC, passa a ser interlocutor do governo quando se trata de política científica, tecnológica e educacional.
``Ainda estamos pagando para ver", diz ele, revelando a posição cautelosa dos pesquisadores frente às políticas do governo federal. O governo diz querer inserir o Brasil em uma mundo ``globalizado", ``moderno". Escaldados com a penúria de verbas do ``moderno" governo Collor, amenizada no governo Itamar, os cientistas esperam a definição de políticas que, acima de tudo, garantam continuidade no financiamento de suas pesquisas.
Ferreira mora em Ribeirão Preto. Foi entrevistado pela Folha em São Paulo, no apartamento de sua sogra na rua Maranhão, região central paulistana. A mesma rua, por sinal, em que mora outro uspiano, o presidente Fernando Henrique Cardoso.

Folha - Por que um cientista de reputação internacional vai perder seu tempo com a SBPC, em vez de fazer ciência?
Sérgio Henrique Ferreira - Eu não vou largar minha pesquisa, continuarei trabalhando como sempre trabalhei. Tenho um grupo de auxiliares e técnicos que são a base fundamental da minha rotina.
Por que a SBPC? Passamos dois meses pensando se deveríamos ou não trabalhar na SBPC. Mas analisando o momento, vendo os problemas que existem -e que é importante que a ciência participe na discussão, nas decisões sobre verbas para pesquisa, para tecnologia, inclusive das leis de diretrizes e bases no Congresso Nacional-, nós achamos que seria importante que cientistas se agregassem para uma crítica persistente e permanente do governo.
Folha - Por que uma crítica persistente? O governo está fazendo alguma coisa errada na área de ciência?
Ferreira - Mais permanente do que persistente. O problema é que ainda estamos pagando para ver. E em um momento de pagar para ver, se você não tem seu grupo definido, é possível que determinados setores façam propostas que não são passíveis de ser aceitas.
Você pode ver essa lei que o Bresser quer fazer sobre as universidades federais, ela tem pontos bons, pontos aceitáveis, mas também pode constituir uma desgraça para as universidades federais como um todo.
Folha - A SBPC é muito conhecida pelas suas posições nacionalistas. Ela defendeu muito a reserva de mercado para a informática, por exemplo. Não foi uma posição equivocada?
Ferreira - Eu acho que há momentos históricos, e no momento histórico quando ela defendida eu não acho que ela era equivocada. Acho que ela contribuiu significativamente para que se desenvolvessem alguns setores da informática. No setor de software, por exemplo, nós vendemos softs de controle de malhas de alta tensão para o mundo inteiro. O conhecimento prático e técnico que se desenvolveu no sistema bancário foi enorme.
No cômputo geral ela teve alguns problemas com o desenvolvimento do uso de alguns tipos de computadores, mas mesmo assim, quando se vê que se compraram grandes computadores no mundo que hoje são obsoletos, o problema é a gente ir pra frente e aceitar que o passado nos ensinou muito.
Folha - Em relação ao desenvolvimento de tecnologia, a sua própria pesquisa não mostra como ele é uma coisa complicada de fazer pela indústria nacional?
Ferreira - A coisa mais complicada do desenvolvimento tecnológico e industrial reside na decisão de fazê-lo, e a decisão de fazê-lo em um país como o Brasil passa por um problema muito sério que é o imediatismo que os nossos industriais aprenderam a ter em virtude do processo inflacionário.
Agora o Brasil está mudando de modelo. Não está mais querendo fazer o modelo de substituição de importação. Ele vai ter que entrar na economia global. E pra entrar na economia global ele tem que produzir para a economia global. Tem que encontrar nichos tecnológicos importantes. Caso contrário nós vamos comprar pacotes e pacotes, eles são vendidos no mundo inteiro, e não vamos ter condição nenhuma de competir.
Folha - Como seria possível em um país que, apesar de ser a 10ª ou 11ª economia, está em 30º ou 40º lugar na produção da ciência, medida em artigos e citações de artigos científicos?
Ferreira - Eu acredito que o problema é de necessidade. Na medida em que a tecnologia e o desenvolvimento industrial necessitarem da ciência -isso é comum nos países desenvolvidos-, a universidade acaba se adequando e fazendo.
Caso contrário, a ciência necessária é buscada inicialmente lá fora e depois ela é assimilada pelo próprio sistema universitário. Então, no meu ponto de vista, há necessidade de uma política decisiva de desenvolvimento de ciência e tecnologia. Como? Protegendo as tecnologias que forem desenvolvidas no Brasil.
Folha - Qual é a função da SBPC no estímulo a esse tipo de política?
Ferreira - A SBPC tem um papel muito complexo. Passa pela difusão do conhecimento, da publicidade do conhecimento científico, por um processo de educação científica em todos os níveis.
Sabemos que existem nichos de excelência no Brasil. O que nós devemos tentar fazer é aproveitar esses nichos de excelência a fim de que eles encontrem uma solução para o processo de desenvolvimento industrial e para o próprio processo educacional do país.

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