São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 1995
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Os números louvados

JANIO DE FREITAS

Raras são as estatísticas que não se prestam a fundamentar argumentos em um sentido ou no sentido oposto. Não é à toa que são o prato principal dos economistas, sempre incapazes de chegar às mesmas conclusões diante dos mesmos números. O levantamento das atividades da Câmara e do Senado, no primeiro semestre, não fugiu à ambiguidade das estatísticas, mas, até agora, só aproveitado em um sentido. O outro merece sua vez, porém.
Os presidentes do Senado e da Câmara, José Sarney e Luís Eduardo Magalhães, louvam os números que expressam a atividade das duas casas, e nisso são seguidos por vários comentaristas. Os números brutos, refletindo o total de matérias deliberadas pelos respectivos plenários, de fato conduzem a uma impressão muito favorável, à sensação de que deputados e senadores enfim trabalharam a sério. Mas a linguagem dos números é sempre limitada: há que ver o que significam, o que mais se esconde do que se mostra neles.
De 92 sessões realizadas pela Câmara, 45 tiveram finalidade deliberativa. E nessas foram submetidas à deliberação do plenário 180 matérias. Número apreciável, sem dúvida. Mas aí temos a média de quatro deliberações por sessão. Seria possível, mesmo, que os deputados houvessem estudado tantos projetos e propostas, para votar criteriosa e conscientemente cada um deles? É evidente que não. Parlamentares que conhecem bem o seu meio e os companheiros consideram que, na melhor das hipóteses, chega só a uns 20% a proporção dos que têm idéia razoável, e não mais que razoável, do que estão votando.
Antes apreciável, o número elevado de deliberações, no total e na média por sessão, na verdade significa o alto e crescente grau de irresponsabilidade com que são votadas questões, tantas delas, de influência aguda no país. Mesmo que se considerasse todo o semestre, e não só as 45 sessões deliberativas nele havidas, teríamos a média de uma deliberação por dia. Seria impossível votar responsavelmente um projeto por dia, ainda mais considerando-se a sua diversidade temática e, em muitos dos casos, a complexidade do teor e dos prováveis efeitos.
O Senado chegou ao número, ainda maior que o da Câmara, de 331 matérias apreciadas. Decisões a jato. Sob o número de que o senador Sarney se vangloria, portanto, só há o que lamentar. Como na Câmara, o total de deliberações torna-se inversamente proporcional ao volume de trabalho meticuloso e responsável aplicado às deliberações.
Câmara e Senado estiveram, sim, muito mais ativos no primeiro semestre do que em muitos semestres anteriores. Mas a atividade não se traduziu em seriedade e qualidade. Sob a estatística louvada, descobre-se uma realidade com força de denúncia: o Congresso continua sendo apenas um arremedo das funções que justificam sua existência.

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