São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 1995
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Passo adiante

ANDRÉ LARA RESENDE

Fernando Henrique não estava sendo apenas provocador. Não é preciso ser burro para pôr a justiça social acima da eficiência. Tendo perdido sua proposta de organizar a economia, a esquerda se tornou pirracenta: dane-se a busca da eficiência e de bem-estar material. Somos contra tudo.
Somos contra o neoliberalismo, e neoliberalismo é ``tudo que está aí". Evitar a definição, deixar o termo vago, é uma forma de se apropriar de todo desconforto, de todo sentimento de injustiça. E desconforto e injustiça é o que não falta.
Em artigo na Folha de domingo, Jurandir Freire Costa, depois de protestar contra o fato de a derrota dos petroleiros ter sido comemorada como uma vitória da modernização, investe contra a integração na economia internacional capitalista. Ele próprio traduz: trata-se de reduzir ou acabar com as estatais, quebrar monopólios, incentivar a competição entre empresas e buscar o aumento de produtividade. Não poderia haver descrição mais correta e sintética de como melhorar o funcionamento da economia.
Em seguida, se pergunta quem se responsabilizará pelo desemprego, pela violência urbana, pelas crianças assassinadas em São Paulo, pelos 19 assaltantes mortos no Rio em duas semanas. Qual a receita neoliberal para isso tudo? Quantas lágrimas um especulador de Manhattan ou um banqueiro suíço já derramaram por um menor assassinado no Brasil, pergunta indignado. O que têm a ver banqueiros, especuladores e industriais multinacionais com o sofrimento e a miséria de nossos pobres e o inferno das vidas nas grandes cidades brasileiras? Boa pergunta.
A flagrante injustiça social, o hiato entre os incluídos e o excluídos, a crise das grandes cidades são problemas gravíssimos. Mas associá-los ao esforço de criar uma economia de mercado mais eficiente ou aos especuladores de Manhattan é ir longe demais.
Há nas teses da esquerda ilustrada uma vinculação entre a economia de mercado e a crise de valores. Crise profunda que não parece dar sinais de se abrandar. A busca do lucro, o estímulo ao individualismo, que estão na essência da economia de mercado, estariam também na raiz da desintegração dos valores.
Esse é, com certeza, o grande tema de nosso tempo. A economia capitalista de mercado termina o século com uma vitória incontestável e esmagadora contra a socialização dos meios de produção e o planejamento central. Trata-se da forma mais eficiente de organizar a sociedade para a produção de riqueza. Tão massacrante foi a vitória, prática e teórica, que não restaram alternativas. Se o sistema vitorioso, o único remanescente, é também o campeão da injustiça e a razão de uma crise desintegradora da própria sociedade, estamos diante de um grave impasse.
Impasse que exige reflexão profunda e não a teimosia pirracenta que tem caracterizado a atuação da esquerda. Bendita indignação contra a miséria e a exclusão. Bendito protesto contra a injustiça e o conformismo. Mas, por favor, vamos dar um passo adiante, pensar e propor.

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