São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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Desaquecimento

ANDRÉ LAHÓZ

O grande apoio popular do Plano Real se deve ao aumento considerável no nível de consumo que o mesmo possibilitou. A população pôde comprar mais, satisfazendo parte da enorme demanda reprimida existente no país.
No entanto, este aumento no consumo foi apenas parcialmente satisfeito pelo aumento na produção interna. Outra parte foi satisfeita por importações. Para se ter uma idéia, as importações saltaram de US$ 2,5 bilhões em junho de 94 para US$ 4,9 bilhões em junho último.
O crescimento desta magnitude nas compras externas resultou em déficit desde novembro do ano passado, uma vez que as exportações, embora também tenham aumentado, não acompanharam o ritmo das importações.
Para equilibrar suas contas externas, o governo luta agora para reduzir o nível de demanda. Em outras palavras, busca o tão falado desaquecimento da economia.
Para entender esta questão, é necessário voltarmos aos primeiros meses do real. O crescimento do consumo foi possível por dois mecanismos: o restabelecimento de linhas de crédito para a população e o aumento da renda.
O restabelecimento do crédito ao consumidor se explica pela queda da inflação. Tal fenômeno se deu também nos outros países que recentemente estabilizaram seus preços, como Argentina e México.
Mas há um outro ponto que possibilitou o crescimento do consumo e que nos diferencia de países como a Argentina. Trata-se do acréscimo de renda. A queda da inflação se deu em uma economia indexada. Os salários receberam reajustes de inflação passada em um ambiente de estabilidade. Ou seja, recuperaram poder aquisitivo perdido.
Além disso, recentemente o salário mínimo foi reajustado em 43%.
Quando o governo busca, portanto, o desaquecimento, deve trabalhar em duas frentes: a do crédito e a da renda.
Os altos juros primários aliados a toda a sorte de depósitos compulsórios por parte dos bancos terminaram por encarecer e desestimular a concessão de crédito. Além disso, a alta inadimplência tornou os bancos muito mais seletivos em seus empréstimos.
Mas resta ainda o lado da renda. E aqui os sinais ainda não são de desaquecimento. Afinal, há pouco mais de um mês começou a ser pago o novo mínimo.
É por isso que há tanta confusão em torno do nível de atividade. Há muitos sinais de retração, mas há, ao mesmo tempo, aumento da renda da população.
Como o governo quer o desaquecimento, busca agora reduzir a renda. A MP da desindexação é clara: os salários deixam de ter qualquer vínculo com a inflação passada. Para os setores menos organizados, trata-se de perda de poder aquisitivo pura e simples.
Mesmo que o governo seja bem sucedido no encaminhamento político da MP, não deverá haver uma recessão profunda no segundo semestre (apesar de desajustes setoriais sérios, como no evidente exemplo da agricultura).
A razão é que, ao contrário do que ocorreu diversas vezes no passado, o atual desaquecimento não é acompanhado por uma alta generalizada no nível de preços. A inflação será baixa no segundo semestre, preservando boa parte do poder aquisitivo dos salários. Ou seja, é o ``soft-landing" buscado pelo governo.

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