São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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Maria João recria a MPB em Montreux

CARLOS CALADO
ENVIADO ESPECIAL A MONTREUX

A terra dos melancólicos fados já pode dizer que tem uma verdadeira cantora de jazz. Ela se chama Maria João, é portuguesa de Lisboa e foi a grande sensação da noite de jazz do selo Verve, anteontem, no Montreux Jazz Festival.
Acompanhada pelo talentoso Mario Laginha, pianista que segue a linhagem de Bill Evans e Keith Jarrett, Maria João surpreendeu a platéia européia com improvisações bastante originais e uma impressionante presença de palco.
Na bagagem musical de Maria, além da herança dos ritmos africanos (sua mãe nasceu em Moçambique), a MPB tem lugar especial.
O ``tour de force" de seu show é justamente uma longa recriação da clássica ``Asa Branca" (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira). Cantando ``a capella", sozinha no palco, Maria João parece transformar-se em um insólito instrumento de percussão, misturando a técnica do canto ``scat" com inusitados recursos de respiração.
``A música brasileira me inspira muito", disse ela à Folha, logo após seu concerto na sala Miles Davis, apontando Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Milton Nascimento, Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal entre seus músicos favoritos.
O mais interessante é que, tanto cantando jazz em inglês, como interpretando música popular brasileira, ela não exibe o característico sotaque lusitano.
A história de Maria João, 39, é singular como sua música. Professora de natação, somente aos 28 anos, por sugestão de um músico, que a ouviu cantar por acaso, decidiu ingressar na Escola de Jazz do Hot Club de Lisboa.
Naquela época, o único disco de jazz que possuía em sua coleção era um álbum da vocalista brasileira Flora Purim, gravado justamente no festival de Montreux. Assim, escolheu ``O Cantador" (de Dori Caymmi) para o teste de avaliação.
Outro detalhe curioso é que Maria João praticou ``hai-ki-dô" por 17 anos, experiência que contribuiu para sua postura de palco.
``Penso que o jazz foi a música que moldou o meu gosto pela improvisação. Mas o que nós fazemos hoje já é outra coisa. É uma mistura", diz a cantora, que inclui em seu repertório atual ``Saudosa Maloca" (de Adoniran Barbosa).
Formado na tradição erudita de Bach, Prokofiev, Bartok e Ravel, Mario Laginha também é um jazzista aberto a várias influências. ``Jamais fecho as portas a esta ou aquela música, seja pop, folclórica ou portuguesa", diz.
Laginha e Maria João apresentam-se juntos há cinco anos. Já gravaram dois álbuns: ``Sol" (selo Enja) e ``Danças" (selo Verve), que a Polygram promete lançar no Brasil até setembro.
Em breve, a dupla entra em estúdio para gravar novo disco pela Verve. Segundo Maria, com possíveis participações do acordeonista Dino Saluzi e do percussionista brasileiro Naná Vasconcelos. ``Tocar com Naná é um grande sonho que tenho", diz.
Outro sonho que a cantora portuguesa pretende realizar em novembro é se apresentar pela primeira vez no Brasil.

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