São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 1995
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Caminhonaço e atraso

MAILSON DA NÓBREGA

O caminhonaço dos produtores rurais tem o dom de ao mesmo tempo dramatizar o problema da queda da renda agrícola e fazê-los perder simpatias por advogarem a solução via subsídio creditício.
Ninguém ignora a crise da agricultura. Os preços caíram e aumentou o custo do financiamento. A inadimplência é grave. A sobrevalorização cambial piorou a situação. A ação deletéria da bancada ruralista inviabilizou o crédito no momento crucial da comercialização.
O sofrimento não é de hoje. Para muitos, este momento é apenas o cume do processo. A origem, mais remota, é a exaustão do modelo de desenvolvimento baseado no Estado, com duplo efeito negativo para a agricultura: a falência do crédito rural e o processo inflacionário.
O Brasil construiu sua base agrícola com pouca atenção ao mercado e sem cuidar adequadamente de áreas como ensino, pesquisa, extensão rural e infra-estrutura. Trata-se de caso único de política agrícola centrada no crédito rural subsidiado. Deu certo, apesar de concentrar renda, mas ficou insustentável há muito tempo.
O modelo deitou fortes raízes culturais. Muitos ainda acham que política agrícola é sinônimo de crédito rural. Argumenta-se que todos os países subsidiam a agricultura, o que é certo. É difícil, entretanto, encontrar um que o faça essencialmente via crédito.
É fundamental romper essa cultura e libertar a agricultura da dependência do financiamento oficial. O Tesouro, quebrado, não tem como reeditar esquemas do passado. Confiar nisso é malhar em ferro frio e submeter o setor ao risco de novas perdas.
A agricultura precisa de mecanismos estáveis de mercado para o seu desenvolvimento. Seus líderes devem demandar que o governo seja um eficiente provedor de serviços de educação, saúde, transportes, comunicações etc.. Crédito oficial é para casos limitados, como os do investimento e dos pequenos produtores.
Mercados futuros eficientes farão mais pela agricultura do que o financiamento subsidiado em favor de minorias. Moeda estável é melhor para o setor do que a equalização de juros. A superinflação, ruim para a sociedade, é uma tragédia para os agricultores.
O certo é pedir uma tributação adequada, inclusive para os mercados futuros, e medidas para estabilizar a economia. Presos a um paradigma mental ultrapassado, entretanto, certos líderes só sabem bater na tecla do crédito. Sua grande inovação de pensamento foi a esdrúxula idéia da equivalência-produto, um mecanismo para conviver com a inflação.
Malgrado a força do passado, a visão moderna abre picadas nessa selva. O velho Banco do Brasil se remoça com a CPR (cédula de produto rural), um instrumento de captação de recursos e financiamento agrícola que pode revolucionar sem qualquer participação do Tesouro.
No setor privado, o CMG (certificado de mercadoria com emissão garantida), já levanta mais recursos do que todo o volume que o orçamento fiscal reserva para crédito rural. Cerca de 80% dos financiamentos rurais já não dependem do governo.
O caminhonaço contaria com maior apoio da sociedade se não defendesse métodos ultrapassados. Ao aferrar-se à indigente e simplista tese do fim de TR vira um retrato triste do atraso.

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