São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 1995
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Da arte de engolir sapos

CARLOS HEITOR CONY

Foi com jucundo entusiasmo que os arautos do governo instalados na mídia anunciaram com as bochechas infladas: a ameaçada briga entre FHC e Itamar Franco vai dar em nada. Esse ``dar em nada" é o chassi da persona política: tudo que vem pela frente deve dar em nada para se manter o tudo preexistente -aquela conhecida frase do romance de Lampedusa, deve-se mudar para que as coisas continuem as mesmas.
Aqui no Brasil a política já foi definida como a arte de engolir sapos. Não é bem assim. Como na natureza, em política nada se cria e nada se perde, é um contínuo laboratório de misturas e transformações. O menor incidente, o detalhe mais banal pode se transformar num torpedo letal e arruinar um projeto ou uma carreira.
Tivemos agora mais dois exemplos. Chateado por causa de uma nomeação federal em sua jurisdição, Antônio Carlos Magalhães evocou a derrota de Gustavo Krause nas eleições para governador e ainda esnobou o bloco carnavalesco do qual o ministro faz parte.
Os dois pertencem ao mesmo partido e ao mesmo governo, abraçam-se e elogiam-se publicamente, mas cada qual vai tomando nota mental das desgraças que acontecem com os amigos de peito. Nos computadores há um comando, o ``save as" que um político com vocação ao sucesso ganhou da mãe-natureza. Um filho morre drogado, a mulher foge com o carteiro, até mesmo um câncer no piloro, qualquer tragédia pública ou privada que acontece na vida de um deles é lamentada e chorada pela classe inteira. Mas o ``save as" manda a informação para as profundezas da memória, para as entranhas eletrônicas que produzirão a carreira. A qualquer necessidade, o comando é acionado.
A briga de Itamar e FHC que não houve ainda vai dar em alguma coisa. Cada qual engoliu o sapo, mas estômago de político é surpreendente. Na devida ou mesmo na indevida hora o sapo é devolvido e causa estragos num ou noutro, muitas vezes em ambos.

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