São Paulo, domingo, 23 de julho de 1995
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a virada de Vera

MURILO GABRIELLI

Pretendia ter voltado já em 1994. Uma contusão no joelho atrapalhou. "Aconteceu no meio do segundo ano de contrato com o Sumirago. Eles foram legais e me liberaram para me tratar aqui. Eu retribuí aceitando o convite para mais um ano."
Estranhava a mentalidade vigente na Itália: "Eles se fazem de certinhos, mas não são." E exemplifica com sua situação profissional.
No primeiro ano de contrato, atuou como estrangeira. Depois, para permitir que seu time contratasse mais atletas de outros países (o limite era de duas por equipe), lançou mão do sobrenome de origem italiana.
Se no Brasil o "Mossa" lhe valia trocadilhos infames, na nova casa rendeu-lhe a dupla cidadania.
Passou a jogar na condição de naturalizada -prática comum entre outros atletas imigrados de Brasil, Argentina e Uruguai-, à época equivalente à de italiana nata.
"Toda vez que eu jogava, a equipe adversária apresentava um protesto formal. Acusavam as estrangeiras de roubar o lugar das locais." O protesto, é claro, sempre vinha de equipes que não tinham naturalizadas no elenco. Quando passavam a usufruir do ardil, calavam.
Ardil necessário, diga-se de passagem, para elevar o nível da liga. "Há muitas equipes lá: como ainda há poucas boas jogadoras italianas, a média acaba sendo baixa, e o jogo fica concentrado nas estrangeiras."
Se a criação de uma liga forte formou grandes jogadores e tornou a seleção italiana masculina a melhor do mundo, por que o mesmo procedimento teve resultados bem mais modestos entre as mulheres?

Sociologia
Para Vera, a resposta tem fundo sociológico. "O italiano é conservador. As mulheres ainda estão aprendendo a correr atrás das carreiras. Aquilo de a mulher querer trabalhar, que aconteceu há 30 anos no Brasil, está começando lá. Elas gostam de jogar, mas não têm liberdade."
Diferentemente das italianas, Vera, quando adolescente, não precisou brigar para ter uma carreira. Mas lutou para fazer do vôlei uma. Formou, junto a suas companheiras, a primeira geração verdadeiramente profissional do esporte. Foram elas a abrir caminho para as "vencedoras".
"Quando comecei, era tudo amador. Várias jogadoras paravam porque tinham que trabalhar."
Ela se iniciara no vôlei aos 9, em Campinas. Aos 15, como reserva da seleção, disputava os Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980.
Aos 16, o esporte a levou a São José dos Campos (SP). Um ano depois estava na Pirelli, de Santo André. Mais uma temporada e iria parar na Supergasbrás, supertime carioca onde ficou sete anos.
A precocidade nas quadras também aparecia na vida pessoal. Foi mãe aos 16 anos. "Hoje, as jogadoras já pensam no vôlei como profissão." Não cogitam uma gravidez prematura.
Ela, porém, nunca pensou nos filhos como obstáculo à vida de jogadora profissional. Além do primogênito Éder, teve Bruno, 9 anos -este com Bernardinho.
"Não atrapalham. Mas tenho que sempre levar em conta as necessidades deles antes de tomar a decisão."
Essa conciliação obrigatória ajudou na opção por Ribeirão Preto. "A realidade das cidades grandes é muito sufocante para as crianças. Elas ficam dependentes da gente."
Foi a temporada italiana que expôs a Vera as benesses da vida no interior. "Nasci em Casa Branca (SP), mas pensei que nunca mais me adaptaria a cidades pequenas, depois de sete anos no Rio." Quando partiu para a Europa, já estava cansada do cotidiano intenso da metrópole.
"Perugia era uma cidade média. Mas, na temporada em Sumirago, morava em uma cidade vizinha com apenas 5.500 habitantes. Todo mundo se conhecia."
Nem o tédio sentido no inverno -"depois do treino não tinha ânimo de sair nem para comer pizza"- a desencorajou a bisar a experiência.
Prevenida das altas temperaturas do verão em Ribeirão Preto, não se intimida: "Passei muito frio nos últimos anos. Agora preciso de calor. "

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