São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 1995
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Varejo pantanoso

O Plano Real teve uma primeira fase de glória. O sucesso imediato contra a inflação, associado a um crescimento econômico rápido e à eleição presidencial no primeiro turno, revelavam um país confiante e próximo do consenso.
A segunda fase, mais tensa, teve início com a crise mexicana. As condições internacionais tornaram-se subitamente desfavoráveis e o déficit comercial colocou na ordem do dia a revisão da estabilidade ancorada na taxa de câmbio.
Nesse clima transcorreram o primeiro e o segundo trimestres de 95, marcados por um episódio traumático de ajuste do sistema de ``bandas cambiais" e por tremores preocupantes na Argentina.
Mas já no final do segundo trimestre, o ambiente externo melhorava e o governo anunciava em linhas gerais o desenho de uma nova rodada de desindexação. O debate foi ganhando vulto entre propostas de extinção da TR, do IPC-r e da Ufir, reformas na ``indústria" de fundos financeiros e avanços nas emendas à Constituição.
As autoridades econômicas, embora reconhecessem as dificuldades inerentes à consolidação do Plano Real, pareciam apostar num aniversário capaz de rejuvenescer o plano e projetar novas glórias.
O aniversário passou, está para terminar o primeiro mês do terceiro trimestre. As expectativas são ainda majoritariamente positivas, muitas empresas já anunciam novos investimentos, e o governo parece mais confiante que nunca ao tomar fôlego para o que serão, a partir de agosto, batalhas decisivas no Congresso Nacional pelas reformas administrativa e tributária.
Entretanto, não há como ignorar que o tal revigoramento do Plano Real ainda está por acontecer.
O governo sofreu um sério revés no esforço pela desindexação, tendo sido contestada no Supremo a MP que reformaria a lei salarial. O problema cambial, ainda que amenizado por fortes entradas de capitais ao longo de julho, continua incomodando. Nem o governo aposta mais na reversão do déficit comercial, como fazia nos primeiros meses do ano. Fala menos em correção do desequilíbrio e mais em financiá-lo com recursos externos.
E a inflação, que afinal é a razão de ser de toda a política econômica, parece oscilar numa ``banda" entre 2% e 3%. É um resultado excelente frente aos quase 50% prévios ao real. Mas é ainda alta demais para inspirar plena confiança no sucesso da desindexação.
Complica ainda mais o quadro o rol crescente de negociações, reclamos e desacertos localizados. Os problemas da agricultura ganharam triste evidência e poucos acreditam que o setor tenha como contribuir no futuro, como fez até agora, para o esforço de estabilização.
O desaquecimento da economia também multiplica as insatisfações e as demandas por favorecimentos setoriais. Finalmente, ganham notoriedade também as rusgas políticas nas fileiras governistas, fruto da disputa por cargos e de projetos partidários divergentes.
Em suma, o segundo semestre será penoso e decisivo. Se o Plano Real continua acertando no atacado, no varejo as dificuldades serão dignas de uma pantanosa travessia.

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