São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 1995
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A crise da macroeconomia

LUÍS NASSIF

Há uma flagrante distorção na maneira como a equipe econômica está tratando dos problemas internos. Em abril teve início o aperto do torniquete sobre o crédito.
Para desaquecer a atividade econômica, optou-se pelo caminho socialmente mais distorcido. Aumentaram-se os juros desmedidamente e cortou-se o crédito. O Brasil foi dividido em dois. O Brasil líquido voltou a beber na ciranda financeira, ganhando como nunca ganhou nos últimos anos. O Brasil descapitalizado quebrou.
Enquanto o interior se esboroava, as autoridades -e parte chapa-branca da imprensa- limitava-se a fechar os olhos à crise ou a selecionar vergonhosamente os indicadores existentes, a fim de esconder a realidade.
Com o arrocho, as grandes companhias -como a indústria automobilística- trouxeram capital de fora. A queda nos agregados monetários recaiu exclusivamente sobre os ombros dos órfãos do poder.
Tinha-se de um lado o Brasil líquido enriquecendo e mantendo níveis de consumo e do outro o Brasil descapitalizado quebrando. Como o Brasil quebrado é maioria, o que deixou de consumir compensou com folga o aumento de consumo do Brasil rico. E a queda de vendas na periferia passa a atingir o centro.
Quando chega ao centro, as autoridades tomam essa decisão inacreditável de abrir portas de saída exclusivamente para as montadoras -com a ampliação dos prazos de consórcios-, alegando que não pretendem ampliar a recessão.
Não se deve ignorar o poder multiplicador do setor automobilístico. Crise no setor automobilístico é crise na indústria como um todo. Mas é inacreditável a falta de sensibilidade dos economistas oficiais para entender o país como um todo, e só se sensibilizar com a pressão dos grandes.

Ciência manca
A macroeconomia, no país, virou ciência manca, administrada por especialistas sem nenhuma visão de conjunto, sem um plano estratégico. Em seu tabuleiro, não existem a pequena e a média empresa, o interior, a agricultura, a não ser quando seus problemas afetam o centro.
Cada crise que estoura, embora perfeitamente perceptível, apanha-os a todos -e sempre- de calças curtas, porque a análise econômica brasileira não conseguiu avançar além da observação dos setores tradicionais. Assim como com os gurus americanos, não se percebeu que a revolução gerencial e tecnológica desenhavam uma nova economia, que não podia ser englobada nas formas tradicionais de análise.
A evolução das modernas técnicas gerenciais -com a ampliação dos conceitos de terceirização- e a explosão das novas tecnologias, acabaram com a noção do grande conglomerado, que se bastava a si próprio. Cada vez mais é estratégica a montagem de um cinturão de pequenas e médias empresas especializadas, provendo as maiores de serviços e produtos.
Mas eles continuam ligados apenas a visão convencional e aos agregados monetários. Se Bill Gates tivesse nascido brasileiro, teria terminado sua vida como consultor de informática de uma repartição qualquer.

Galinhagem
Finalmente, o jornalista carioca que instituiu o galinhômetro (o consumo de galinha nas praias de Recife) como índice de prosperidade nacional admitiu que a crise existe. Admitiu, sim, mas citando palavras do próprio presidente da República.
Só depois que o príncipe dá a senha, os puxa sacos se sentem liberados para mudar de opinião.

Correção
Na coluna de ontem, a respeito do ministro José Serra, trocou-se a palavra estatista por estadista, mudando o sentido da frase. A coluna escreveu que ``o ministro José Serra é essencialmente homem de Estado (não necessariamente um estatista)", e não da maneira como saiu publicado.

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