São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 1995
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Tio Dave cuida bem de seu ``moolah"

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

L á de onde eu venho, a maravilhosa palavra "moolah" só tem uma tradução possível: dinheiro. Grana.
Eu não tenho muito moolah, por isso guardo o pouco que tenho em um grande banco de São Paulo. Com isso, teoricamente, impeço que meu moolah caia em mãos erradas.
O problema é que nos finais de semana (quando preciso do moolah em uma emergência), meu banco descobriu uma maneira de impedir que caia em MINHAS mãos.
Acabo de ler sobre meu banco numa grande revista brasileira de negócios. O presidente do banco estava na capa da revista. Li no artigo que meu banco ganhou tanto dinheiro que está se expandindo para a Argentina.
Acho que sei como meu banco ganhou esse dinheiro todo.
Tomemos o caso do último fim-de-semana, por exemplo. Saí de casa para pegar cem pedaços de moolah do aparelho automático de entrega de moolah de meu banco.
Quando entrei no lugar onde os cidadãos necessitados de moolah vão para buscar um pouco de seu próprio moolah, fui saudado por uma fileira daqueles cartõezinhos de aviso que meu banco só faz entrar em funcionamento nos finais de semana: "Este aparelho está fora de operação".
Deve haver algum poeta ao qual meu banco paga um salário exorbitante para compor frases com efeito garantido de reduzir os clientes do banco a imbecis furiosos, espumantes de raiva.
O poeta do banco é bom mesmo. Ele criou outra frase que o banco programa para aparecer em seus aparelhos automáticos de entrega de moolah, também para uso especial nos finais de semana.
A frase é algo mais ou menos assim: "Ocorreu um problema de comunicação. Para reportar a ocorrência, tire o telefone do gancho e informe o funcionário".
Tio Dave costuma ser um cara calmo e controlado, mas isso é um pouco demais, até mesmo para ele. O que essa frase poética tão enganadora realmente significa é: "Este aparelho ficará sem moolah durante o fim-de-semana inteiro porque o banco não pretende gastar moolah a mais, pagando os caras do caminhão de moolah para trabalhar aos domingos. Poupando esse moolah, seu atencioso banco garante duas coisas:
"1) No caso dos clientes de idade mais avançada, os senhores poderão melhorar seu condicionamento físico, percorrendo alguns quilômetros a pé entre duas ou três de nossas agências, à procura do moolah que falta nos aparelhos.
"2) Como os senhores acham que conseguimos economizar dinheiro suficiente para abrirmos um novo banco na Argentina?"
A idéia de não suprir as máquinas de moolah nos finais de semana é simplesmente brilhante demais para ser brasileira de origem.
Essa idéia deve ter vindo de alguma outra cultura, que tenha milhares de anos de experiência na arte de salvar o dinheiro do público de ser (mal) gasto pelo próprio público -se é que você me entende, Joãozinho.
Há poucos dias, acabei vendo minha teoria confirmada. Cruzei com o fundador e presidente do meu banco no aeroporto.
"Esse homem", pensei, "é o gênio que mantém as máquinas de moolah vazias no fim-de-semana. Esse é o homem que me propicia maratonas dominicais à procura do meu próprio dinheiro, que me é negado por seu esperto banco".
"Esse é o homem", pensei, "que deve estar viajando a alguma nação avançada (como Cingapura) em busca de idéias ainda mais hi-tech para aplicar aos finais de semana em Sampa".
"Olá", disse eu, "para onde o senhor está indo?"
O grande banqueiro me olhou como se eu fosse o idiota que sou. Instintivamente, me reconheceu como sua vítima impotente.
Ele sorriu o sorriso próprio de um homem da moolah, cheio de dignidade, e cochichou em resposta: "Para Portugal".

Moolah 2
Seguem algumas outras reflexões sobre moolah:
Hoje, um centavo vale pouco. As pessoas não dão a mínima quando vêem um centavo no chão. Não se preocupam com um centavo a mais ou a menos no troco.
As pessoas ricas nunca andam com muito dinheiro. Talvez seja por isso que as pessoas medianamente ricas nunca dão esmola.
Deve ser irritante para um malpago caixa de banco manusear enormes quantidades de dinheiro pertencente a outras pessoas.
É possível ser roubado por um banco. Eu mesmo já fui enganado duas vezes na hora de receber dinheiro de um caixa.
Se comprar ações pode ser chamado de "investimento", apostar em alguma coisa também pode ser chamado de "investimento".
Ninguém deveria ser obrigado a esperar numa fila para ser pago. Isso apenas faz o patrão sentir-se mais poderoso.
Ninguém deveria ser obrigado a esperar numa fila para receber sua aposentadoria. Afinal, trata-se de seu próprio dinheiro.
Quando você for pagar alguma coisa, procure sempre ficar atrás de um homem na fila. As mulheres sempre levam três vezes mais tempo para entregar seu dinheiro do que os homens.

Moolah 3
Nunca deixe de apanhar uma moeda de R$ 1,00 se por acaso topar com ela caída na calçada. Afinal, pode haver alguma coisa de valor embaixo dela.
Morto ao Chegar
Recebi uma carta muito elegante de um cemitério muito elegante situado num bairro muito elegante da cidade. Se você comparasse cemitérios a apartamentos, o cemitério ao qual me refiro seria uma cobertura. A carta tinha como título "A melhor decisão para quem pensa em tudo".
"Eis uma oportunidade única"!, ela prossegue, passando a descrever um de seus muito práticos planos de pagamento, prevendo apenas uma insignificante entrada de R$ 900 e 25 insignificantes prestações mensais de R$ 400.
Em pouquíssimo tempo você poderá ser a primeira pessoa do seu quarteirão a ser proprietário de um dos últimos jazigos da última reserva de jazigos do elegante cemitério. Que legal! Que divertido! Você poderá se destacar entre todos os seus amigos!
A carta é irresistivelmente sedutora: "Você decide agora, com calma e tranquilidade, evitando transtornos futuros, poupando todos de preocupações. Garanta já um lugar especial! Você e os que lhe são queridos merecem esta paz e serenidade".
R$ 10.900 é muito moolah por um pedacinho de terra tão minúsculo. Se você quiser visualizar o que vai comprar, experimente ir ao balcão de vendas do cemitério e pedir para lhe deixarem deitar no chão. Talvez você volte para casa decidido a comprar um Fusca com o dinheiro e ainda viver uma noitada memorável com o troco.
Tio Dave tem uma sugestão a aventar sobre uma forma alternativa de morte, forma esta que até agora passou despercebida até mesmo aos ecologistas.
Acho que conheço uma maneira de transformar nosso mundo em um lugar melhor e ao mesmo tempo poupar moolah -que, afinal, é nosso tema desta semana.
Minha idéia é simples. Que tal um enterro em estilo "faça você mesmo"? Aposto que você conhece algum marceneiro jeitoso que adoraria lhe ajudar a construir seu próprio caixão de madeira.
Um simpático caixão de araucária, colocado com a parte de cima para baixo no meio da sala, faria uma ótima mesinha de centro, não acha, Joãozinho?
Reconheço que minha idéia talvez leve algum tempo para pegar -mas é preciso começar por algum lugar, certo?
Se o cemitério começasse a plantar árvores em lugar de lápides ou monumentos de bronze, hoje já teríamos uma bela reserva natural.
Meu pensamento tem outra vantagem embutida. Poderíamos eliminar o mercado mundial de monumentos de bronze de celebridades roubados de cemitérios.

Tradução de Clara Allain

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