São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Escritor critica a ``filosofia alternativa"

DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de ``O Mundo de Sofia", Jostein Gaarder escreveu mais três livros, um deles sobre o cristianismo. Mas é um livro anterior a ``O Mundo de Sofia", ``Mistery Cards", que está sendo agora traduzido em vários países e também será publicado no Brasil pela Companhia das Letras.
Em ``Mistery Cards", um garoto sai com seu pai pela Europa à procura de sua mãe. Foi esse garoto-personagem que deu a Gaarder a idéia de escrever um livro de filosofia, como ele conta na entrevista abaixo:

Folha - No final de ``O Mundo de Sofia", o professor Knox faz um discurso contra os livros de filosofia da nova era. Você acha que esse tipo de livro é o mal do século 20?
Jostein Gaarder - Não sei se é o mal, talvez. Nos últimos anos, vimos esses livros de filosofia alternativa, filosofia da nova era, dominarem completamente o mercado. Mas, hoje, pelo menos na Europa, existe um novo interesse pela filosofia antiga e uma crítica a esses livros. Para mim, a filosofia é importante justamente porque nos ajuda a ter uma mente crítica.
Folha - O seu livro vem então preencher essa necessidade das pessoas que procuram a filosofia da nova era e não têm coragem de enfrentar a teórica?
Gaarder - Acho que sim. Em meu livro tento falar da filosofia fora das instituições acadêmicas e tento levá-la de volta ao mercado, o seu lugar original. Acho que a filosofia coloca questões que são importantes para as pessoas em geral, não somente para estudiosos ou professores.
Folha - Você acha que foi mais difícil explicar as idéias dos filósofos mais modernos ou as dos mais antigos?
Gaarder - No livro, falo pouco sobre os filósofos do século 20. Eu queria dar o background, queria mostrar a história. O livro ficaria enorme se eu me estendesse muito sobre o século 20.
É difícil explicar a filosofia para leigos, mas eu tinha experiência, porque ensinei filosofia para jovens durante muitos anos. Isso me ajudou muito a escrever o livro.
Folha - Como os filósofos receberam seu livro? Ninguém disse, por exemplo, que para ser compreendido você teve que simplificar as coisas?
Gaarder - Quando publiquei estava com medo, é claro, do que os acadêmicos diriam. Mas os filósofos, em geral, foram muito positivos com o livro. Tive resenhas de filósofos no mundo todo e eles consideraram o livro uma boa introdução à filosofia. Acho que foram generosos, porque é claro que não sou um ``expert" em todos os aspectos da filosofia.
Tive também algumas críticas, mas a maioria delas era sobre o fato de eu ter escrito pouco sobre os filósofos do século 20, que eu deveria ter escrito mais sobre Heidegger etc. Esta é a limitação do livro, com certeza.
Folha - Mas foi uma opção...
Gaarder - É, porque não sou um ``expert" na filosofia do século 20. Sei mais sobre os gregos. Além disso, hoje vivemos numa sociedade muito complexa e considero importante termos um background comum, conhecer as nossas raízes.
Folha - Você é cristão?
Gaarder - Eu não sou um cristão praticante. A religião me interessa enquanto tradição. Não sei, por exemplo, se acredito que Jesus Cristo seja Deus.
Mas uma vez me perguntaram, se eu morresse e fosse para o céu, com quais filósofos gostaria de me encontrar. Sócrates foi o primeiro que eu disse, porque não sabemos muito sobre ele. Mas também gostaria de encontrar Jesus, porque ele esconde vários segredos. Para mim, Jesus é um filósofo muito importante. E também queria encontrar Buda no céu, outra figura enigmática. Me inspiro muito no cristianismo e na Bíblia, mas também em Sócrates e em Buda.
Folha - Você pensou sempre no leitor adolescente enquanto escrevia o livro?
Gaarder - Sempre quis que o livro pudesse ser lido por adolescentes e por adultos que não têm um conhecimento acadêmico da filosofia. No meu livro anterior, havia a história do menino que ia para Atenas com o pai e quando voltava para casa procurava um livro de filosofia na biblioteca. Mas a bibliotecária dizia que não existiam livros de filosofia para ele.
Me senti envergonhado por esse menino e pela filosofia, então decidi escrever este livro com a história da filosofia. Primeiro pensei em fazer um manual, mas estava ficando muito chato. Depois tive a idéia de fazer a história da filosofia dentro de uma história, para que as pessoas pudessem ler não como uma enciclopédia, mas como um romance.
Folha - Você não teme ser rotulado como o autor para adultos que escreve para crianças ou vice-versa?
Gaarder - Acho que sou exatamente isso. Muitos de meus livros são lidos por crianças e adultos, mas não acho isso um problema.

Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch
Próximo Texto: Pensamento de Tsu corre mundo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.