São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O SÉCULO RADICAL

OTÁVIO DIAS

Folha - A esquerda está fazendo um bom trabalho?
Hobsbawm - Não. Ideologicamente a esquerda perdeu a confiança no seu programa. Tanto a esquerda quanto a direita acreditam hoje em economias mistas, com elementos públicos e privados. A diferença está na ênfase da esquerda para a igualdade social enquanto a direita privilegia coisas como o crescimento econômico.
Folha - Nesta oposição direita versus esquerda, como o sr. situaria o atual governo do brasileiro?
Hobsbawm - Para formar uma opinião, teria de ficar mais tempo no Brasil, mas acho que o principal problema no país é que é difícil para qualquer presidente atingir seus objetivos sem fazer enormes concessões ao sistema político.
O Brasil é o campeão mundial da desigualdade social e isso tem representado uma desvantagem para o desenvolvimento do país. Na minha opinião, o governo Fernando Henrique será julgado por suas ações nesse campo.
Gostaria também de dizer que é impossível construir uma base política efetivamente democrática no Brasil sem romper com os coronéis e tradicionais chefes políticos.
Folha - No livro "A Era dos Extremos, o sr. afirma que o capitalismo não venceu a guerra contra o comunismo, mas que, pelo contrário, o comunismo teria salvo o capitalismo. Não é uma conclusão frustante para um comunista de toda a vida?
Hobsbawm - Sim. Quando eu era jovem e me tornei comunista, não esperava que isso fosse acontecer. No entanto, aconteceu e, como um analista da história do século 20, não posso deixar de notar.
Nos anos 30 e 40, o sistema parecia estar em colapso e foi neste período que muitas pessoas viraram comunistas. Naqueles dias, achávamos que, devido à crise do capitalismo, o futuro estava na União Soviética.
Ficou cada vez mais óbvio, após a Segunda Guerra, que o capitalismo era não só mais dinâmico como também mais forte. Contudo, na minha opinião, o capitalismo só sobreviveu para mostrar sua capacidade superior por causa do comunismo.
Folha - O sr. pode explicar essa teoria?
Hobsbawm - Em primeiro lugar, sem a ajuda da União Soviética, o Ocidente teria perdido a Segunda Guerra Mundial. Em segundo lugar, nos anos 30 o modelo de desenvolvimento da União Soviética, baseado na idéia de planejamento da economia, foi considerado um sucesso.
Enquanto os EUA e as outras economias capitalistas viviam a "grande depressão", a URSS passou incólume pela crise, o que causou profunda impressão nos políticos. O modelo de mercado completamente livre, agora tão popular, foi reconhecido como inadequado. Portanto, a reforma do capitalismo, nos primeiros anos da Guerra Fria, ocorreu, em parte, por causa do perigo político representado pelo comunismo. Um dos perigos hoje é que não há força alternativa que possa fazer o capitalismo se reformar.
Folha - Em seu livro, o sr. critica o excesso de influência da opinião pública nas decisões políticas. Com o avanço da tecnologia de comunicação, ela tende a aumentar. Por que o sr. considera esse processo perigoso?
Hobsbawm - A tecnologia moderna é positiva porque permite que grupos de ativistas atuem de maneira rápida e eficiente. O Greenpeace é um exemplo. Outro é o caso dos guerrilheiros zapatistas, em Chiapas, no México.
Com os "laptops", a Internet, houve uma quebra do monopólio da comunicação que, no passado, era exercido pelos governos e pelas grandes organizações. Os meios de comunicação de massa, entretanto, não são meios de governar. Os governos têm que ter legitimidade para tomar decisões que não teriam maioria num referendo. Esse é um elemento essencial, embora complicador, da política moderna.
Folha - O objetivo do livro "A Era dos Extremos" é contar às novas gerações a história do século 20, segundo o ponto de vista de um historiador que o viveu intensamente. Que papel tem o historiador nos dias de hoje?
Hobsbawm - O mecanismo de ligar o passado ao presente não é muito efetivo nas sociedades modernas. Vive-se por intermédio dos desejos de possuir bens, satisfação, felicidade ou seja o que for.
O passado existe por que é parte do presente. Além disso, não houve provavelmente na história nenhum período de tantas modificações como entre as décadas de 1950 e 80. Fica, portanto, difícil relacionar o presente e o passado sem algum tipo de explicação. O que os historiadores podem fazer é fornecer subsídios para que os jovens entendam que uma coisa produz outra. Esse é o objetivo de "A Era dos Extremos".

Texto Anterior: O SÉCULO RADICAL
Próximo Texto: "INSTANTÂNEOS DO SÉCULO 20"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.