São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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A dança dos nomes

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Todo mundo conhece a grandeza dos problemas que a China enfrenta para alimentar, vestir e abrigar 1,3 bilhão de habitantes. Trata-se de uma população que é quase dez vezes maior do que a do Brasil. A revista ``The Economist" de 3 de junho publica uma reportagem inusitada sobre aquele país. Ela mostra que, além das dificuldades para garantir a oferta de comida, vestuário e habitação, a China está enfrentando um novo tipo de escassez: a escassez de nomes.
É isso mesmo. Estão faltando nomes e sobrenomes para atender a enorme demanda chinesa nesse campo. Assim é que os cinco sobrenomes mais comuns -Li, Wang, Zhang, Liu e Chen- são usados por nada mais nada menos do que 350 milhões de pessoas. Só os que têm o sobrenome Li chegam a 87 milhões, ou seja, mais da metade da população brasileira.
O assunto, que é bastante pitoresco, tem também o seu lado dramático. A imprensa chinesa tem registrado um número crescente de cirurgias realizadas em pacientes errados devido à coincidência de nomes. Nos hospitais, tem sido comum a administração de medicamentos aos Wangs trocados. Nos bancos, multiplicam-se os saques de dinheiro que acabam indo para bolsos estranhos. Até mesmo prisões têm ocorrido em cima de suspeitos inocentes.
Lendo a reportagem fiquei curioso com o que pode estar acontecendo no Brasil. Embora estejamos muito longe do tamanho da população chinesa, a questão dos homônimos não é desprezível entre nós. No Brasil, felizmente ou infelizmente, não dispomos de estatísticas nesse campo. Por outro lado, abunda neste país a imaginação. Enquanto os chineses se recusam a inventar novos nomes, os brasileiros vão combinando sílabas e invertendo vocábulos para encontrar os nomes mais originais.
Quem já não ouviu falar na Celidalva, filha do Celidônio e da Dalva? Quem não conhece uma Deolenice, filha do Deodato e da Elenice? Quem não se lembra do deputado Onaireves, da época do impeachment do Collor, que é a mera inversão de Severiano? Basta ter imaginação.
Os chineses parecem ter certa dificuldade para criar novos nomes e apelidos sintéticos. Isso ocorre também com outros povos. Na França, por exemplo, os grandes bandidos -em lugar de serem chamados por seus apelidos como acontece no Brasil- eram referidos pelos seus longos nomes originais. Quem não se lembra de Maximilien Marie Isidore Robespierre ou do Louis Antoine Saint-Just -dois sanguinários da Revolução Francesa?
No Brasil, o Virgulino Ferreira da Silva virou ``Lampião"; o Antonio Francisco Lisboa foi rebatizado de ``Aleijadinho"; e o Joaquim José da Silva Xavier foi o ``Tiradentes". A regra da simplificação, por aqui, vale para bandidos, artistas e heróis.
Os chineses parecem estar precisando de mais ousadia nesse terreno. Todavia, convenhamos, encontrar apelidos mais curtos para os nomes dos Li, Wang e Chen não deve ser fácil...

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