São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995 |
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tava na cara
MARIO VITOR SANTOS Você vai abafar esticadinho e naturalmente sorridenteO grande escritor francês Marcel Proust dizia que o aspecto do nosso rosto, as rugas, reentrâncias, vincos e cavidades, é expressão de um hábito mental que se congelou. A aparência, por assim dizer, estrutural da face seria a petrificação de um estado de espírito. Se somos mais preocupados, contidos, se vivemos no limite da explosão, o rosto tende a vestir, até mesmo nas horas em que estamos em outro humor, essa característica mais básica. A testa se divide, os lábios parecem estar comprimidos, o feixe de músculos em torno da boca arma um funil apertado -o bico- por onde flui e transparece a tensão. Já se somos relaxados, calmos, otimistas, se de rotina cantarolamos intimamente, o rosto denuncia. Em lugar de aprisioná-lo, um lábio tende a servir como colchão para o outro, ambos projetam-se para fora, a carne mais exposta num gesto generoso de abertura e acolhimento. Olhe à sua volta. Se você prestar muita atenção poderá, mesmo entre os jovens e os que conseguem disfarçar bem, enxergar detalhes verdadeiros que estão por trás da imagem que cada um tenta vender de si mesmo. Procure ver a que categoria pertence seu chefe, o vizinho, o síndico, seu amor, você mesmo. Quanto mais idade, mais evidente fica o gesto congelado. Ele se insinua sempre, até submeter a crescente flacidez da pele ao jugo inapelável do hábito. Observe enquanto é tempo, porque agora surgiu nos Estados Unidos o Facial-Flex, que promete postergar a ação do tempo sobre o rosto, fortalecendo e tonificando mais de 30 grupos de músculos na face, queixo e pescoço. O aparelho se encaixa nos cantos da boca, é feito de aço inoxidável e plástico e usa uma espécie de dobradiça e um elástico de borracha para criar uma resistência flexível. Inserido, ele empurra a boca para trás. O usuário tenta então fazer o menor ``o" possível com os lábios. Depois de se comprimir o Facial-Flex, deve-se soltá-lo gradualmente. Iniciantes repetem o exercício a cada três ou quatro segundos. No estágio avançado, pode-se alcançar até um movimento por segundo. O endurecimento do rosto vem em duas ou três semanas, segundo o fabricante. Em dois meses, a firmeza facial cresce 32% e a força dos músculos sobe 250%. Ainda não se sabe de aparelhos para atuar em áreas mais específicas do rosto, mas já é possível prever seu advento nos próximos anos. Da mesma forma com que hoje se malham os bíceps ou os bumbuns, amanhã as áreas faciais que revelam a angústia, por exemplo, serão exercitadas até apagar qualquer sinal. Se não pega bem, por exemplo, você aparecer tenso no novo emprego dominado por jovens executivos esportivos e alegres, é só apelar para o aparelho adequado e você vai abafar, esticadinho e naturalmente sorridente. Vem aí a era em que, afinal, vestígios de inadequação e conflito serão varridos da face do rosto... Dor, até que tudo bem. Mas dar bandeira jamais. Ilustração: Aparição de rosto e fruteira numa sala/Salvador Dalí/1938 Texto Anterior: o verão dá show Próximo Texto: Neoclássico, o estilo eterno Índice |
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