São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Imperador de novela

JOSUÉ MACHADO

Na novela "Sangue do Meu Sangue", do SBT, uma personagem chama o imperador D. Pedro 2º, sua mulher, Teresa Cristina, e a filhota, princesa Isabel, de "Suas Altezas", na chegada a um baile. A personagem é Pola Renon, ex-atriz, abolicionista, da novela que trata da escravatura e se passa no fim do período imperial brasileiro. A propósito, o Brasil imperial carrega marca importante: foi o último país do Ocidente a abolir a escravatura. Escravatura oficial, bem entendido. E a aboliu constrangido pela pressão e as ameaças da Inglaterra. A Loura Albion, como se dizia antigamente, dava a si mesma o direito de apresar navios negreiros e julgar os responsáveis, baseada numa lei de seu próprio Parlamento, o Bill Aberdeen.
Uma vergonha. Maior, é claro, do que chamar o imperador de "Sua Alteza". Ao chamá-lo assim, a personagem cometeu duplo engano. "Alteza" era fórmula de tratamento para príncipe e princesa. Os príncipes deviam ser chamados de Alteza e de Sereníssimo Senhor. As princesas, naturalmente, de Alteza e Sereníssima Senhora. Parece, mas não é brincadeira. Rei era chamado de Majestade e Senhor. Era e será, assim que a família imperial de Orleans e Bragança voltar ao poder, do jeito que a coisa vai.
Segundo engano: quando se dirige a um rei, usa-se "Vossa Majestade"; "Sua Majestade" utiliza-se quando se fala dele respeitosamente para outra pessoa. Assim também, ``Vossa" e ``Sua", em relação ao príncipe e à princesa, ao papa (Santidade e Santíssimo Padre), ao cardeal (Eminência), ao bispo (Excelência Reverendíssima), ao reitor de universidade (Magnificência ou Magnífico Reitor), ao presidente e aos pais da pátria (Excelência), a autoridades várias, inclusive bicheiros, colecionadores e contrabandistas de armas (Senhoria), ao juiz (Meritíssimo -nunca meretíssimo, que é feio, mesmo que ele tenha gabinete de 150 metros quadrados num daqueles palácios em construção em Brasília).
Convém lembrar que esse tratamento formal é utilizado sobretudo em documentos, cartas, requerimentos, muito mais do que na linguagem oral. Mas é bom estar preparado, caso se encontre por aí um papa, um presidente ou um cardeal. Ou um imperador. Por exemplo, dirigindo-se ao secretário de ACM:
-Posso falar com Sua Majestade?
Depois, se atendido, na presença dele e para ele:
-Vossa Majestade me concederá a graça de apoiar meu nome?
O importante, nessas fórmulas de tratamento esquecidas pelos escritores da novela, é manter o "Vossa" na conversa com o figurão com quem se fala e o "Sua" nas referências dele a terceiros. E, naturalmente, com o verbo sempre na terceira pessoa gramatical, embora "vossa" seja parte do pronome.
Convém ilustrar com o exemplo vivo do Congresso ou das Câmaras, que mantêm como regimental o nobre tratamento:
-Vossa Excelência desviou dinheiro com emendas fajutas na Comissão de Orçamento!
-Vossa Excelência, sim, é que é um larápio filho de uma pata que brotou no brejo!
É preciso tomar cuidado com a língua.
A moça e o maridão
As seções de notícias leves e colunas sociais de jornais e revistas costumam ter diversas marcas registradas. Algumas boas, outras nem tanto, várias de chorar. Além das específicas de cada colunista, há algumas gerais. Duas delas são "moço" ou "moça", com que evitam o nome da criatura de que falam, e outra, "maridão", quando falam do acessório masculino de uma bela dama. Por exemplo:
"A estonteante Cindy Crawford, como veio ao mundo, na revista "Esquire". Nesse ínterim, perdendo tudo isso, o ex-maridão Richard Gere faz exercícios espirituais na Índia..."
"Como veio ao mundo" também é expressão tão nova quanto Cauby Peixoto, que confessou a Jô Soares e a Marília Gabriela cantar "New York, New York" melhor do que Frank Sinatra. No mínimo igual. O moço está com tudo.
Verdade que ninguém vai sofrer muito por causa desses refinamentos estilísticos, muito menos quem tomou o lugar do "maridão", mas as fórmulas repetidas a mancheias, como diria Castro Alves, dão sempre a impressão de coisa já lida, já vista, já vivida, desnutrida, falecida.
Por que fazem isso com o pobre leitor?

Texto Anterior: Documento aborda situação da mulher
Próximo Texto: Novas bobagens de Odilon
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.