São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Procuradoria apura venda de armas ao Irã

ROBERTO PEREIRA DE SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Duas empresas brasileiras são acusadas de vender ilegalmente 1 milhão de granadas de mão ao Irã e entregar 30 mil delas aos Contras da Nicarágua, em 84, usando documentação falsa, que atribuía a encomenda dos explosivos ao governo da Líbia.
A denúncia foi encaminhada à Justiça, no Rio, e acolhida pela juíza Marilena Soares Franco, da 13ª Vara Federal.
A partir de Inquérito Policial Militar, presidido pelo major do Exército José Maurício Garcia, a Procuradoria da República, responsável pelo encaminhamento de processos à Justiça Federal, decidiu denunciar sete pessoas ligadas à exportadora Jabour S/A e à fabricante de explosivos Explo S/A.
O interrogatório dos acusados está marcado para o próximo dia 17. Eles podem ser condenados por falsidade ideológica (1 a 5 anos de reclusão) e enquadrados na Lei de Segurança Nacional (3 a 12 anos de prisão).
Os Contras eram os rebeldes, apoiados pelos EUA, que combatiam o governo sandinista (de esquerda) na Nicarágua, com bases em Honduras e no Panamá.
Um outro ingrediente explosivo cerca o caso: três granadas de mão que pertenceriam à mesma encomenda foram encontradas pela Polícia Civil em posse de traficantes de drogas, também no Rio.
A história começa em 83, quando 1 milhão de granadas tipo M4 foram encomendadas à Jabour Exportação S/A. O pedido incluía também 240 mil granadas de bocal, modelo M3, utilizadas para combate a blindados.
A encomenda, de acordo com a versão de João Luis Mauad, diretor da Jabour, foi feita por um intermediário que representava o governo líbio. Nenhum dos sete acusados afirma ter visto a credencial oficial do comprador.
A proposta de exportação para a Líbia seguiu os trâmites legais. Como acontecia com qualquer venda de material bélico para o exterior, passou pelo Itamaraty, pelo Conselho de Segurança Nacional e pelo Ministério do Exército, durante o governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985).
A Explo S/A, dona da fábrica Valparaíba, de Lorena, em São Paulo, iniciou a produção dos explosivos antes mesmo da autorização formal de Brasília. "Tínhamos muita urgência e precisávamos de dinheiro", disse Arnaldo Vianna, 54, diretor financeiro da empresa.
A destinação de 30 mil granadas do suposto lote líbio para os contras nicaraguenses é mais do que uma suspeita. Os indícios são claros. O próprio Mauad admite que as granadas chegaram a Honduras.
``Não seria estúpido de negar que o lote que eu exportei para a Líbia foi para a América Central, até porque as fotos dos autos mostram isso", disse ele no começo de maio. ``O que é preciso ficar claro é que eu coloquei a mercadoria com destino à Líbia. Se o Gadafi (ditador líbio) revendeu, o problema é dele".
Mas um documento coloca sob suspeita a argumentação de Mauad de que os líbios teriam revendido os explosivos: uma carta assinada por uma pessoa de nome McCoy confirmava, a 3 de novembro de 84, o recebimento dos certificados de garantia emitidos pela Explo e dos papéis do embarque, feito no mesmo dia, no cargueiro suíço Regina. Ao lado da assinatura de McCoy há uma outra sugerindo uma rubrica: "JL".
A carta-recibo mencionava explicitamente Honduras como destino das 30 mil granadas. Ela foi escrita, em inglês deficiente, com máquina de datilografia similar à utilizada pela Jabour no preenchimento da guia da Cacex, em 4 de novembro.
O navio Regina tinha como destino Puerto Cortez, em Honduras. O seguro do cargueiro também se exauria no mesmo porto.
A carta assinada por McCoy menciona um cheque de US$ 153 mil, do Banco do Exterior S/A Panamá, como forma de pagamento pela compra, feita em nome das Forças Armadas de Honduras.
Não há registro no Itamaraty ou no Ministério do Exército de que alguma venda tenha sido feita oficialmente a Honduras.
``Assumo que terei de responder por isso. Você diz que minha
máquina preencheu tudo isso... O que eu posso dizer? Nada", diz Mauad. ``É verdade que eu recebi a carta, mas não conheço quem a assinou. Digo, por experiência, que a assinatura de McCoy é a do dono do cheque".
Mauad afirma não conhecer pessoalmente o homem chamado McCoy: ``Assumo que se a carta foi escrita aqui foi porque McCoy veio inspecionar o embarque. Mas nunca o vi. O Carlos Eduardo de Sá, (outro diretor da Jabour, também denunciado), é que cuidou do embarque. Vou assumir isso diante da Justiça. Tenho culpa? Acho que sim. Deveria ter avisado as autoridades brasileiras? Deveria. Mas pensei: o que eles poderão fazer comigo, lá em Brasília?"
O diretor da Jabour e os outros seis denunciados têm mais mistérios a explicar.
O primeiro deles é por que a pessoa responsável, do lado do comprador, pela inspeção das granadas era um iraniano. E não um líbio. Chama-se Parviz Khorrami.
O segundo, é a razão pela qual o navio que levou a primeira carga -antes do suíço Regina- estava registrado como sendo da República do Irã, portando bandeira de Chipre.
Testemunha do caso, o húngaro Zoltán Racs, 74, um dos fundadores da Explo, vai direto ao ponto: ``Nós vendemos o material para o Irã, nunca comercializamos com a Líbia".
Os fatos apurados reforçam a suspeita de que o carregamento brasileiro faria parte de uma operação de maiores proporções, gerenciada secretamente pelos EUA: o caso Irã-Contras.
Em 87, durante o governo de Ronald Reagan, funcionários de Washington foram julgados por venda ilegal de armas ao Irã com o objetivo de repassar o dinheiro do pagamento como ajuda militar aos Contras.
O Irã estava sob bloqueio imposto pelas Nações Unidas, depois da invasão da embaixada dos EUA por extremistas e a tomada de funcionários como reféns. Os iranianos entraram em guerra contra o Iraque (entre 1980 e 1988) e os EUA tinham interesse em enfraquecer o ditador iraquiano Saddam Husseim. O tenente-coronel Oliver North foi acusado de comandar a conexão, mas acabou absolvido por falta de provas.
Outro ponto a ser elucidado é a conexão com traficantes de drogas do Rio. A história das três granadas encontradas pela Polícia Civil com membros de quadrilhas cariocas data de 31 de dezembro de 1991.
Na favela da Coréia, em Senador Camará, subúrbio do Rio, Flávio Gonçalves Ferreira, Altair Gomes da Costa e José Carlos Simão de Lima foram detidos por agentes da 34ª Delegacia com 50 pacotinhos de cocaína, três espingardas, munição e uma granada de mão, de fabricação da Explo.
Estavam próximas aos corpos de dois homens identificados como Cláudio e Valdecir e apontados como traficantes na favela da Rocinha, na zona sul carioca.
Mauad defende-se dizendo que os explosivos seriam de lotes diferentes do que ele teria vendido à Líbia: ``Eu vendi o lote 02-12-83 e não 02-02-84."
Há uma hipótese para a diferença: o lote 02-12-83 foi produzido, obviamente, em dezembro de 83. Mas como a Explo não tinha capacidade de produzir 1 milhão de granadas em um só mês, o volume teria sido dividido em sublotes. Assim, tudo o que foi produzido de janeiro a dezembro de 84 teria como suposto comprador o ditador Gadafi, da Líbia.
Os denunciados, embora afirmem que as granadas encontradas com os traficantes não faziam parte da encomenda, não explicam por que e para quem teriam fabricado o lote 02-02-84.
Sobre esse lote, João Chiarelli Filho, nomeado presidente da Explo há dois anos, diz não ter encontrado ``nada nos arquivos da fábrica, nada nos arquivos do Exército e nada nos arquivos do Itamaraty".

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