São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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`Não há tempo para ler tudo'

``Originalmente, o cânone significava a escolha de livros em nossas instituições de ensino e, apesar da recente política de multiculturalismo, a verdadeira questão do cânone continua sendo: que tentará ler o indivíduo que ainda deseja ler, tão tarde na história? Os 70 anos bíblicos já não bastam para ler mais que uma seleção dos grandes escritores do que se pode chamar de tradição ocidental, quanto mais de todas as tradições do mundo.
Quem lê tem de escolher de escolher, pois não há, literalmente, tempo suficiente para ler tudo, mesmo que não se faça mais nada além disso. O grande verso de Mallarmé -`a carne é triste, ai, e eu li todos os livros"- tornou-se uma hipérbole.
Superpopulação, repleção malthusiana, eis o verdadeiro contexto para as ansiedades canônicas. Hoje não se passa um momento sem que novos estouros de `lemmings' acadêmicos se lancem por sobre bordas de precipícios, que eles proclamam ser as responsabilidades políticas do crítico, mas toda essa `sermonização' acabará passando. Cada instituição de ensino terá seu departamento de estudos culturais, um boi que não será sangrado, e florescerá um `underground' estético, restaurando alguma coisa semelhante à aventura da leitura.
Resenhar livros ruins, observou certa vez W.H. Auden, faz mal ao caráter. Como todos os moralistas talentosos, ele idealizava, apesar de si mesmo, e devia ter sobrevivido até a época atual, onde os novos comissários nos dizem que ler bons livros faz mal ao caráter, o que julgo provavelmente verdade."

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