São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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BLOOM CONTRA-ATACA

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

Autor de 21 livros, professor catedrático nas universidades de Yale e Nova York, Harold Bloom é um dos mais importantes críticos literários do nosso tempo. Sua obra abrange desde um estudo sobre Shelley (1959), passando por grandes análises de Yeats (1970) e Wallace Stevens (1977), e pela monumental ``tetralogia da influência" (1973-76), até volumes mais recentes, de crítica cultural.
Desde 1985, Bloom vem dirigindo, ainda, a publicação de cerca de 800 antologias de crítica literária (Chelsea House Publishers) -uma empreitada à altura de sua proverbial erudição e produtividade. Um novo projeto, recém-iniciado, consiste na elaboração de cerca de cem pequenos ``roteiros de leitura", sob forma de fascículos, para estudantes de curso secundário e de graduação. Aos 65 anos, e com um novo livro sempre em andamento, ele continua escrevendo regularmente para jornais e revistas do mundo todo. E diz que espera dar aulas ``até que venham buscar meu cadáver".
Foi na década de 70 que o nome de Bloom se tornou mundialmente famoso, por conta de seu conceito mais repetido: a angústia da influência (leia texto nesta página). De lá para cá, tem-se aproximado cada vez mais de um público não-acadêmico. Pode-se mesmo dizer que nenhum outro crítico é tão conhecido, hoje, dos leitores não-especializados.
No ``Livro de J" (1990), um best seller, Bloom faz uma leitura tão afrontosa quanto bem-humorada da ``Bíblia" como literatura. ``A Religião Americana" (1992) é uma tentativa de definir o espírito nacional dos Estados Unidos, com ênfase sobre a religião dos mórmons e dos batistas.
Adversário contumaz do politicamente correto, publicou, no ano passado, ``O Cânone Ocidental", um volume majestoso, abarcando da Bíblia até Beckett, e que será lançado no próximo dia 14 no Brasil pela editora Objetiva. Nos Estados Unidos, em menos de um ano, já vendeu 65 mil exemplares. Seu próximo livro, ainda não publicado, vai-se chamar ``Augúrios do Milênio", que ele descreve como um ``estudo gnóstico sobre os sonhos, os anjos e a ressurreição". Vale dizer: uma resposta ao milenarismo.
Em ``O Cânone Ocidental", Bloom estuda nada menos que 26 grandes autores, ao longo de mais de 500 páginas. Centrados sobre Shakespeare e Dante, e incluindo nomes como Cervantes, Montaigne, Goethe, Tolstói e Freud, os 26 servem para representar o cânone, que, segundo Bloom, está praticamente em vias de desaparecer dos currículos universitários. Combativo, ácido, mas acima de tudo muito engraçado, ``O Cânone Ocidental" é, de uma vez só, um dos maiores trabalhos de crítica literária do nosso tempo -uma façanha de dimensão gigantesca e enormes ambições- e um dos mais corrosivos ataques à nova ordem acadêmica, sob o regime do multiculturalismo e do politicamente correto.
Eloquente, original, polêmico, Harold Bloom é admirado por seguidores e adversários, pelo conhecimento da literatura e a capacidade de renovar a interpretação de tantas obras. De sua autoria, foram publicados no Brasil ``A Angústia da Influência", ``Cabala e Crítica", ``Poesia e Repressão", ``Um Mapa da Desleitura" e ``O Livro de J" (todos pela Imago), além de ``Abaixo as Verdades Sagradas" (Companhia das Letras). Há um ano, ele colabora mensalmente com o Mais!.
Num dia de julho, Harold Bloom recebeu a Folha em Nova York, para esta entrevista exclusiva. Nela, fala do ``desastre`` irreversível da crítica literária nas universidades americanas. Define-se a si mesmo como ``um crítico cômico" e relembra suas relações (e brigas) com Jacques Derrida e Paul de Man. Contrapõe sua leitura de Dante à do poeta T.S. Eliot, alvo também de muitas ressalvas. Afirma que Shakespeare ``é" o cânone, e mostra como ``todo intelectual do Ocidente, a partir de Hamlet, é Hamlet". Explica suas intenções com o livro sobre o cânone e critica a transformação gradual dos Estados Unidos numa nação ``neofascista".

Continua à pág. 5-4

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