São Paulo, domingo, 6 de agosto de 1995
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Falta um "mea culpa"

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Ficou faltando um ângulo a discutir nesta questão dos desaparecidos políticos durante o regime militar. É o que diz respeito ao ``mea culpa" que as Forças Armadas brasileiras não fizeram, ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na Argentina.
Não se trata de pretender revogar a lei de anistia. Ao contrário. Se houve anistia, é porque se supõe que houve crimes que a sabedoria política convencional mandava esquecer. Senão, a anistia seria dispensável.
Mas a anistia, se remete os crimes para o esquecimento, não tem o dom de apagar o passado. Mesmo o argumento de que houve uma guerra e, portanto, os dois lados praticaram excessos próprios de uma guerra não tem cabimento.
Até na guerra há o suposto de que devem ser observadas convenções internacionalmente definidas. Entre elas, a que obriga a respeitar a vida e a integridade física dos prisioneiros.
Uma coisa é a morte em combate. Aí, sim, guerra é guerra. Mas, no caso dos anos de chumbo no Brasil, 90% das vítimas da repressão em geral e 100% dos desaparecidos já não eram combatentes (algumas, aliás, jamais o foram). Eram prisioneiros. Foram mortos depois de detidos e não em combate.
É igualmente falaciosa a argumentação, muito comum, de que a meninada que se envolveu na luta armada ou na oposição mais vociferante ao regime militar sabia dos riscos que corria. Claro que sabia. Mas em nenhuma lei, ato institucional, ato complementar, regulamento militar ou civil etc. se diz que é lícito torturar prisioneiros ao ponto de, em alguns casos, matá-los.
É por isso que as Forças Armadas, agora que se tenta sepultar de vez esse passado tenebroso, deveriam vir a público para dizer que alguns de seus membros cometeram abusos e excessos.
Foi o que fez o comandante do Exército argentino. E, na Argentina, matou-se muito mais do que no Brasil, o que pressupõe o envolvimento de um número muito maior de oficiais em atos condenáveis.
Um eventual ``mea culpa" não trará de volta os mortos de um lado e de outro. Mas será um reencontro com a verdade, a melhor forma de deixar o passado definitivamente para trás.

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