São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 1995
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Barenboim vem para o Brasil em setembro

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL A BAYREUTH

Daniel Barenboim, 55, pode ser chamado de homem das sete batutas. Esse israelense nascido num kibutz da Argentina é o chefe de orquestra mais ocupado do globo.
Neste momento, está à frente das produções das três óperas e ensaia a Orquestra Staatskapelle de Berlim, com a qual faz excursão pela América daqui a um mês.
Toca no próximo dia 20 de setembro no teatro Municipal do Rio de Janeiro e dias 21 e 22 de setembro no teatro Cultura Artística de São Paulo. No repertório, o ciclo completo das sinfonias de Beethoven.
Foi ovacionado por ``Tristão e Isolda", de Wagner, em Bayreuth na última segunda. Dia 18, estréia ``Don Giovanni", de Mozart, no Festival de Salzburgo. Não bastasse, encerra no fim do mês o ``Anel dos Nibelungos" em Berlim. Ele concedeu entrevista à Folha durante o prmeiro intervalo de ``Tristão", num camarim da Festspielhaus.
Enquanto falava, fumava, discutia com a produtora e acalmava Wolfgang Wagner, diretor do festival, desesperado com o fato de o tenor Siegfried Jerusalem, o Tristão, estar sofrendo da garganta na hora da récita.
O maestro ainda encontra tempo para ler. Na mesa, os livros ``Elaborações Musicais" e ``Orientalismo", do palestino Edward Said. Apesar de dizer que é amigo de Said e gosta de seus livros, o regente acha que o mundo está ficando mais sem graça com o fenômeno da globalização da cultura e do transculturalismo.

Folha - Por que o sr. escolheu Beethoven para tocar no Brasil?
Daniel Barenboim - Beethoven é o autor sinfônico que contém o maior número de informações. Sua mensagem é espiritual e moderna. Tento ser moderno com essa linguagem histórica. Persigo o choque em Beethoven. O público se acostumado a choques maiores do que o da ``Nona".
Folha - O público alterou a apreensão musical?
Barenboim - Tudo tem mudado. O ritmo ostinato no primeiro movimento da ``Sétima" é um exemplo.
Na estréia, ninguém ficava sentado ao ouvi-lo. Hoje, o paradigma rítmico é ``A Sagração da Primavera", de Stravinski. Beethoven parece brincadeira...
Folha - Como o sr. leva a subjetividade à regência?
Barenboim - Música feita sem o componente pessoal, expressivo, não passa de uma coleção de sons. Não existe música pura. Mas a música nos ultrapassa. A experiência amorosa de ``Tristão" acontece a todos. Mas ver a ópera através da subjetividade é redução. Folha - O sr. associa certas obras a momentos de sua vida?
Barenboim - Sim, as sonatas para piano de Beethoven sempre me acompanham. Gosto de tocá-las. E nem sempre uma obra conturbada me provoca mal-estar. A sonata ``Hammerklavier", tão conflituosa, me dá paz de espírito.
Folha - E o conflito entre música contemporânea e público?
Barenboim - O problema nos acomete desde ``Tristão" (1859). Não é só um fato social. Diz respeito à busca do artista.
Há duas saídas. Ou a música eletrônica inventa uma cultura ou as execuções devem melhorar. A música do século 20 é mal tocada. Os músicos a fazem por obrigação. Folha - Como o sr. encara a globalização da cultura?
Barenboim - Com preocupação. Não há melhor maneira de um latino se entender com um alemão do que através de uma obra de Wagner. Mas a tecnologia está tirando o sabor de cada cultura. O mundo se apequena e as culturas se fundem e perdem a graça.
Folha - Wagner chamou o sr. para fazer o próximo ``Anel"?
Barenboim - Chega de ``Anel"! Fiz o penúltimo aqui. Preparo para 1996 a montagem de ``Os Mestres Cantores de Nuremberg", com encenação de Wolfgang Wagner. Estamos adiantados.
Folha - Como é a abordagem?
Barenboim - Estamos na discussão sobre o estilo. O elenco já está formado e a cenografia pronta. Considero a partitura tão renovadora quanto ``Tristão". Vou explorar os elementos precursores do serialismo que estão na obra.
Folha - Ela ainda tem algo a dizer ao público atual?
Barenboim - A crítica de Wagner é muito atual. Se tirarmos do contexto medieval a reinvindica ção de Hans Sachs por uma cultura teutônica, teremos uma mudança de sentido.
A ópera vira uma crítica ao internacionalismo cultural e a afirmação de uma arte não mercantilizada. ``Mestres Cantores" é contra o transculturalismo.

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